Mafalda


quinta-feira, dezembro 27, 2007


Magia de Ano Novo

Fim de ano. Alguns dizem que acontecerá apenas uma mudança no calendário. Mas, ainda que a “virada” seja apenas simbólica, os momentos que a antecedem costumam influenciar nosso emocional. Tornamo-nos mais reflexivos. É o momento em que pensamos sobre nossas conquistas. E, inevitavelmente, é o momento de relembramos as perdas também, seja qual for a natureza delas.
Todo “fim” carrega em si mesmo um sentimento de perda. O fim de um dia, por exemplo. Quem nunca se aborreceu consigo mesmo por não ter realizado o que planejou para determinado dia? Então não é de se estranhar que sintamos certa tristeza neste período: a virada do ano evidencia o tempo ocorrido. Por outro lado, assim como o amanhã, o novo ano representa um recomeço.
Talvez seja este o período que mais nos permitimos sonhar. Talvez a grande magia que envolve a virada de ano se explique justamente por isso. Fazemos promessas. Selamos acordos com nós mesmos. Achamos que tudo pode ser diferente. Pode ser que façamos os mesmo planos que não realizamos no último ano. Pode ser alguns projetos fiquem apenas na nossa imaginação. Mas o importante é acreditar, pois, se partimos do princípio que algo não é possível, não lutamos por ele (e, se ao buscarmos um sonho, decepcionarmo-nos no final, estaremos em paz com nós mesmos simplesmente pelo fato de esforçarmo-nos para que ele acontecesse).
Eu tenho um sonho. Um sonho antigo. Porém, sua realização, infelizmente, não depende só de mim: eu gostaria que toda pessoa, ao encontrar qualquer outra na rua, no trabalho, sorrisse e falasse bom dia (lembram-se do filme “Patch Adams – o Amor é Contagioso” ?). È impressionante o poder de um sorriso! Além disso, eu gostaria que as pessoas não se evitassem tanto, que elas se permitissem dar e receber carinho, seja com uma palavra, seja com o toque (agora me vem à mente outro filme: Crash – no Limite. Parafraseando, um dos personagens presume que a falta de toque faz com que as pessoas batem uma nas outras só para sentir alguma coisa).
Seja qual forem os projetos de cada um para o próximo ano, acredito que se buscado com amor e entrega, já estará um tanto realizado. O que importa é o caminho...

quarta-feira, dezembro 12, 2007


Roda-gigante

Não por acaso gosto de observar o que há de comum nos seres humanos. Converso com amigos (virtuais ou não), vejo filmes e olho para mim mesma...Nos últimos tempos, o que tem me chamado atenção é a nossa necessidade de ter a vida sob controle. Temos que programar nosso dia seguinte, por exemplo. Às vezes precisamos estabelecer nossas atividades durante a semana e até mesmo durante o mês inteiro: é natural, pois a correria do cotidiano nos obriga a isso... Mas não é só o que é exterior a nós que desejamos controlar: ansiamos, sobretudo, controlar nós mesmos (penso que deixar organizado “lá fora” nos dá a sensação que por dentro está tudo no lugar).
Pouco nos arriscamos! Procuramos ser o que sempre fomos. Se uma situação exige mudar nossas crenças, sentimentos e atitudes, geralmente preferimos evitá-la ou então adaptá-las ao que já conhecemos. Somos capazes, por exemplo, de passar por uma grande decepção amorosa e corajosamente encarar um novo relacionamento. Porém, muitos agem com o novo parceiro da mesma forma que fazia com o antigo, por mais diferente que este seja...
Temos, inconscientemente ou não, a necessidade de manter o mesmo padrão, pois isto nos dá impressão de que nada fugirá do nosso controle. O que parece bastante paradoxal: apesar da consciência que temos dos nossos erros, não conseguimos ser diferentes. Mas não é tão contraditório se levarmos em conta que é mais seguro agir como sempre agimos, pois mesmo que venhamos a nos decepcionar novamente, já saberemos como cuidar disso. Por mais estranho que isto possa parecer, geralmente escolhemos uma vida sem tempero em vez de buscar uma felicidade desconhecida. Uma amiga, ironizando o próprio modo de se comportar, metaforizou: “eu estou numa roda gigante, chega a hora de descer e eu não quero!”. É bastante ilustrativo: andamos em círculos, conhecemos bem o caminho, mantemos o controle.
Independente de nossa vontade, o imprevisível acontece. Seja uma dádiva, seja um infortúnio. Das dádivas é mais fácil escapar, esquecê-las, voltar ao cotidiano. Já os infortúnios, temos que enfrentá-los. Sofremos, querendo ou não. E sofrer nos faz crescer porque nos obriga a mudar. Porém, estacionar-se nesta mudança, negar que as situações e as pessoas são outras, pode até garantir o controle, mas limita a infinita possibilidade do viver.

quarta-feira, dezembro 05, 2007


O Paraíso pode ser os outros!

Para qualquer pessoa, Andradina pode ser uma cidade do interior paulista sem muitos atrativos. Mas é um lugar cada vez mais especial para mim. Fui para lá na semana passada. Saí daqui na quarta-feira. Dei-me o privilégio de adiantar meu fim de semana porque no dia seguinte era aniversário de minha prima: 16 aninhos. Eu queria estar lá. Além disso, ela pediu a minha presença, e por ela, eu faço tudo! Foi uma longa viagem de ônibus, embalada pelas canções que eu ouvia no MP3 (não me importo tanto com percursos demorados: o movimento, a estrada e as estrelas levam-me a refletir). Fui até Araçatuba e lá encontrei minha tia e minha prima. Seguimos de carro até Andradina. Da janela do Gol eu vislumbrava um céu indescritível!
Dia do Aniversário: minha tia foi trabalhar e deixou o carro para eu levar minha prima e a amiga dela para almoçar no shopping. Meu primo de 18 anos, irmão dela, não foi porque era um almoço de meninas. O pequeno caminho até lá proporcionou boas gargalhadas. Lá encontramos outras amigas. No início fiquei me sentindo uma tanto deslocada no meio de tantas adolescentes, mas como é de costume logo encontrei pontos em comum. Almoçamos do restaurante chinês (eu e minha priminha somos fãs). Tiramos fotos, fizemos pose! Na volta descobri que existem valetas piores que as de Barretos...Mas com muito cuidado consegui devolver o carro ileso (apesar de alguns sustos e mais risadas).
Os dias passavam rápido. Sempre tem amigos e amigas na casa dos meus primos. Todos se sentem muito à vontade. Joguei futebol no Playstation, li, papeei com o pessoal até altas horas...Sábado minha tia nos levou até Três Lagoas: belíssimas paisagens e um pôr-do-sol maravilhoso! Mais tarde, duas da madrugada, estava conversando com meus primos e dois amigos, quando um outro amigo chegou de carro. Meu primo não hesitou: “Vamos à porteira? Minha prima vai embora amanhã e ela não conhece...” . Fomos. Mais um céu extraordinário! Vi cinco estrelas cadentes! Ninguém bebia. Debatemos sobre Hitler e a Segunda Guerra, mas também rimos demais com imitações de besteiras da net...
Cada vez mais a vida me mostra que quando estamos ao lado de pessoas que nos fazem rir, pensar e emocionar, não é preciso grandiosidade. Pessoas assim valorizam um pôr-do-sol, levam-nos para ver estrelas cadentes e sabem dosar graça e siso na medida certa!

quarta-feira, novembro 28, 2007


O Império do poder
Dias atrás achei um jornal de outubro deste ano. Às vezes guardo o Caderno “Mais” da Folha para ler depois, mas havia esquecido deste. Folheei-o, mas a princípio não achei nada que me chamasse tanta atenção. No entanto, sobrava-me tempo: li um artigo do psicanalista Renato Mezan, intitulado “Prazeres Expressos”, sobre o ensaio fotográfico de Mônica Veloso e a polêmica em torno do roubo do Rolex do apresentador Luciano Huck. Quando li o subtítulo, estranhei: que relação poderia ter estes dois acontecimentos, além da incessante exposição pela mídia? Mas Mezan surpreende sempre: além de renomado psicanalista é um excelente escritor. Não tenho mais o artigo em mãos...O que apresento a partir de agora é resultado da memória que tenho da leitura das palavras de Mezan embaralhadas com minhas próprias convicções.
O que representa um Rolex? Ter um relógio deste significa que você pertence a um grupo seleto (Mezan conta que quando os relógios de bolso surgiram, as pessoas compravam coletivamente e revezavam o uso. Quem não estava usando, colocava apenas uma corrente para fora do bolso para simular a posse do relógio).É sinônimo de status e, conseqüentemente, poder. Atualmente, caminhar em São Paulo com um Rolex no punho é pedir para ser assaltado. E roubá-lo pode significar uma tentativa de se aproximar dos privilegiados e/ou uma reação à imensa desigualdade social: agir violentamente seria uma forma de compensar a miséria e ainda demonstrar quem é que detém a força.
E o ensaio fotográfico de Mônica Veloso? As fotos dela na “Playboy” causou frisson nos brasileiros (parlamentares foram flagrados “saboreando” a revista). Mezan aponta que muitas beldades já pousaram nuas, mas poucas tiveram o mesmo efeito. Qual a diferença? Segundo Mezan, ao olhar a jornalista em fotos tão íntimas, o público masculino se identifica com Renan Calheiros (coloca-se no lugar dele) e, inconscientemente, deseja desfrutar não só Mônica Veloso, mas todos os benefícios que ele possui.
Aparentemente distintos, os dois acontecimentos retratam o gosto pelo poder. Quem tem um Rolex exibe o poder. Quem o rouba deseja o poder e/ou demonstra do lado de quem ele está. Já no último caso, o anseio pelo poder (inclusive a vantagem de estar acima da lei) revela-se no olhar embasbacado de milhões de brasileiros diante da nudez de Mônica Veloso.

quinta-feira, novembro 22, 2007


Além da Tropa

“Tropa de Elite”, o filme brasileiro que vem batendo recordes de bilheteria, tem suscitado polêmicas. De um lado, estão aqueles que aplaudem a obra do diretor José Padilha principalmente por ela retratar com suposta fidelidade o caos existente nas favelas cariocas e a atuação do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais). De outro, os que a julgam como enviesada: o diretor, ao escolher o policial do BOPE como narrador, legitima, implicitamente, a violência empreendida pelo Batalhão. Estou de acordo com estes últimos.
O cinema é formador de opiniões. Certamente há casos em que o filme apenas reforça uma idéia já existente. Mas, ao ser visto por crianças e adolescentes, “Tropa de Elite” funciona como modelo de solução da violência urbana: ouvi adolescentes falarem com empolgação sobre as ações do policial-narrador Capitão Nascimento. Concordam plenamente com a tortura empreendida por ele e seus parceiros. Para eles, a mulher do traficante é culpada por casar-se com bandido e o menino torturado mereceu, pois avisava os traficantes quando a polícia entrava no morro. (Em tempo: a censura nas salas de cinema é de 16 anos, mas o filme, pirateado antes mesmo de estrear, chegou a ser exibido numa escola para meninos e meninas de 12 anos; além disso, os adolescentes a que me referi têm entre 13 e 14 anos).
Realmente o tráfico de drogas e todas as conseqüências geradas por ele são um dos maiores problemas da atualidade. No entanto, a meu ver, a repressão policial, quando desacompanhada de ações pró-sociais, apenas gera uma guerra interminável. Pois, enquanto houver consumo, o tráfico permanecerá (neste sentido, as ações do BOPE de nada resolvem). Assim, a melhor forma de combater o comércio de drogas é cessar a demanda. E para isto é preciso educar, sobretudo, as crianças e os adolescentes (não estou aludindo somente à educação escolar. Remeto-me principalmente aos valores, atitudes e afeto transmitidos pelos pais) Portanto, ao esperamos que a polícia resolva completamente a questão do tráfico, estamos esquecendo de nosso papel na prevenção do abuso de drogas.
Penso que “Tropa de Elite”, em vez de retratar a realidade, mostra uma visão maniqueísta da mesma: o bem versus o mal (nada muito diferente dos filmes de ação hollywoodianos) Pelo sucesso alcançado parece, infelizmente, satisfazer o desejo da maioria dos brasileiros: “bandido bom é bandido morto”.

quarta-feira, novembro 14, 2007


Fotografias de papel

Seu nome: Lena. Estava agora com 33 anos. Sentia-se plena, realizada! Havia conquistado quase tudo que almejara: um amor perfeito, um bebê que estava por vir e um trabalho recompensador. Não tinha muitas ambições, tinha sonhos. Gostaria de viajar pela Europa, conhecer Londres, Paris, Lisboa, Barcelona, Berlim, Veneza etc. Mas ela não tinha pressa, pois sua vida estava tão sublime que ela era incapaz de se sentir frustrada!
Num domingo de frio, estando sozinha e sem muito para fazer, Lena resolveu “viajar” pelo passado. Foi até o armário e pegou o baú antigo onde guarda fotografias. As fotos mais recentes são de quase dez anos atrás, pois depois que ela comprou uma máquina digital, esqueceu-se de sua velha companheira Fuji. O primeiro álbum visto foi o de sua adolescência, “15 aninhos” – deduziu ela. Havia várias imagens de Lena com Melissa, amiga desde a infância. Enquanto olhava, ela rememorava aqueles momentos: elas gostavam de aparentar revolta! E de fato acabaram se tornando “rebeldes”. Lena ria ao lembrar daquela época, de toda aquela ingenuidade e inquietude.
Depois achou fotos de sua infância. Lena ficou tentando desvendar o que ela, aquela garotinha de três aninhos, pensava. Era difícil saber. Ela lembrava-se até de quando seu irmãozinho mais novo nasceu. Mas de seus pensamentos (do que ela achava do mundo) não! Ficou curiosa. Achou uma foto em que ela estava debruçada na penteadeira olhando para o espelho. Lena recordou-se que adorava fazer isso - ficar se olhando no espelho - mas ainda assim não sabia o motivo. Talvez apenas se admirasse, talvez buscasse uma resposta. Então Lena pensou, rindo de si mesma: “Deveria ter estudado psicologia em vez de letras”. E continuou “Pessoas me deixam intrigada, o meu próprio”Eu” me deixa perplexa!” Mas logo se encontrou: “Prefiro escrever, gosto de desvendar o ser humano intuitivamente”.
Passou pelas fotos da faculdade, aniversários, viagens inesquecíveis! Notou que a simplicidade sempre a fizera feliz: cachoeira, mar, amigos reunidos. Viu amores antigos e recordou-se, carinhosamente, dos bons momentos. Mas em nenhum momento, inclusive quando ela abriu o álbum da adolescência, desejou voltar no tempo. Lena vivia intensamente o presente, apreciava como nunca a sua vida! De súbito, foi desperta da “viagem”. Barulho na porta. Era o seu amor chegando...

quinta-feira, novembro 08, 2007


Aos nossos pais

Tornou-se senso comum culpar pai e mãe pelos deslizes dos filhos. A responsabilidade pelas atitudes de uma criança pode até ser atribuída aos pais, mas ainda assim não é possível generalizar, pois eles não têm controle, por exemplo, do que acontece na escola (estudar numa escola bem conceituada não garante que a criança aprenderá somente boas ações). Já o adolescente, mesmo tendo recebido uma educação baseada em valores éticos e nobres, pode se desviar, pois é típico desta época ser suscetível à influência dos amigos (mas também é verdade que quanto mais sólida e coerente tenha sido a educação transmitida pelos pais, maiores as chances do filho adolescente identificar-se com pessoas que tenham valores semelhantes aos seus). Porém, a meu ver, culpar os pais pelos erros de um filho já adulto é ignorar o livre-arbítrio intrínseco ao ser humano desta faixa etária.
Jean Paul Sartre, filósofo francês, frisou: “Não importa o que fizeram de nós, e sim o que fizemos com o que fizeram de nós”. O adulto tem a capacidade de discernir entre o certo e o errado, mesmo tendo recebido ensinamentos falhos. Chega um momento em que ele pode escolher o que será. Ele tem liberdade para isso. Certamente mudar o rumo não é fácil. Muitas vezes é mais cômodo deixar a vida nos levar do que tomar as rédeas. Como somos livres, podemos sim escolher o caminho que nos exige menos esforço, menos questionamento interior. No entanto, ao decidir por isto é necessário que nos responsabilizemos por nossas ações, o que significa que devemos ter ao menos a dignidade de não culpar os pais pelos nossos infortúnios.
É importante ressaltar: há adultos que nunca foram crianças e não aprenderam o que é escolher. Jamais tiveram liberdade! Destaco aqui aqueles que cresceram numa favela e desde pequenos pegam em armas ou os que nasceram durante uma guerra civil na Europa, na Ásia ou na África, sendo impelidos, ainda na infância, a integrar um exército. Alguns, surpreendentemente, conseguem se livrar do que está praticamente determinado, mas a maioria sucumbe ao meio, condenados a viver o que não optaram.
Entretanto, muitos de nós, adultos que têm a oportunidade de gerir a própria vida, preferem se lamentar pelo que os pais fizeram ou deixaram de fazer. Vivem do passado esquecendo-se que enquanto o coração bater é possível mudar, transformar-se, transcender!

terça-feira, outubro 30, 2007


Confessionário

Ultimamente, tenho estado “zen” É preciso muito para me deixar irada! Mas claro que algumas atitudes alheias deixam-me incomodada, pois faz tempo que não sou uma voz emudecida. No vôlei, por exemplo, não aceito que uma menina ou menino fique excluído das jogadas porque não sabe jogar bem e erra. Se está ali, tem direito de participar! Porém, não discuto mais, apenas falo...
Tenho permanecido mais em casa. Aos meus olhos, a vida parece estar mais simples: não estou mais remoendo pensamentos dolorosos. E também não me preocupa muito a forma como os outros me vêem. Sim, gosto de ser querida. Todos se sentem bem quando são bem aceitos. Mas isto não é mais crucial em minha vida. Concedo-me mais liberdade para falar o que penso. Tento ao máximo não ferir, por outro lado, não deixo mais que me magoem facilmente.
Tenho novas amigas. Antes, por presunção minha, achei que não me daria bem com elas. Mas quando tenho a oportunidade de encontrá-las, vejo que cada uma é especial à sua maneira. Falando em amiga, sinto-me em falta com duas amigas antigas, mas como me conhecem bem, sei que compreendem minha ausência. E ganhei uma amiga que sempre esteve ao meu lado, mas parecia bem distante, minha querida irmã!
Aprendi a perdoar! Isto é fantástico! O coração fica leve....Quase flutua! Perdoar, na minha opinião é uma das melhores sensações que o ser humano pode sentir. Não adianta ser da boca para fora. Talvez seja preciso se esforçar, refletir, superar o orgulho, mas precisa ser verdadeiro. E quando é assim, não é necessário a quem te magoou te pedir desculpas. O teu coração exige isso, pois é ele que está sofrendo.
Minha mãe diz que eu mudei depois de beber a água benta dela por acaso. Ela diz que fiquei “mansinha” (sou um tanto cética quanto a isso, mas é até engraçado). Porém, a parte ruim de sentir esta tranqüila felicidade é, egoisticamente, não dar ouvidos às pessoas que se queixam muito da vida (logo eu que reclamava apenas por reclamar).
Certamente, alguns acontecimentos particulares, que não caberia dizer aqui, ocorreram. Mas eu já passei por várias mudanças repentinas e nunca me senti como agora. Suspeito que minha leveza venha de algo que não se explica com palavras...

terça-feira, outubro 23, 2007


Triste ficção cotidiana

Felipe nasceu na favela. Tinha cinco irmãos. Nunca conheceu o pai. A mãe era doméstica numa casa de “bacana”. Por isso, Felipe ganhou um Nike usado quando tinha 7 anos. Com ele subia e descia o morro para ir à escola depois do almoço. Teve dificuldades para aprender a ler e a escrever. A professora achava-o preguiçoso. Até que um dia, ela o chamou até a lousa. O menino tremia tanto que quase se molhou. Então ela perguntou rispidamente: “Que letra é esta?”. Felipe quase encostou o nariz na lousa e disse “D”. Finalmente a professora compreendeu que ele precisava de óculos e não conteve as lágrimas.
Trabalhando também aos domingos, a mãe de Felipe conseguiu comprar os óculos. No fim do primeiro ano escolar, Felipe lia tudo. A professora tinha orgulho dele! Mas havia dias que Felipe ficava bastante distraído no início da aula. Suspeitando que ele sofresse de déficit de atenção, a professora perguntou se ele não conseguia se concentrar. Encabulado, ele respondeu: “Tem dias que na minha casa não tem comida para todos. Às vezes um ou dois precisa ficar sem arroz-e-feijão. Então, eu venho sem almoçar, minha barriga dói. Mas depois da sopa do recreio, fica tudo bem!”. Mais uma vez a professora chorou...
Voltando um dia para casa, feliz por ter terminado a quarta série, Felipe foi de súbito abordado: “Hei mano, tênis de playboy, hein?” Era um rapaz jovem, 17 anos talvez. Apontou um canivete e completou “Faz uma correria prá mim que eu não levo ele!”. Felipe, tendo crescido ali, pressentiu encrenca. Mas sabia também que se não fizesse o que o rapaz estava lhe ordenando, mesmo ficando sem o tênis, ficaria marcado na favela. “O que preciso fazer?”, indagou Felipe. O rapaz explicou: “Tenho um encontro com minha mina aqui e agora, então vá até o barraco azul, o último, é só subir, não tem erro. Fala pro Nandão que é bagulho pro Batista. Toma a grana. Corre!”.Felipe teve medo, mas não tinha outra saída.
Ofegante, encontrou Nandão na porta. Felipe já foi logo dizendo o porquê de estar ali. O homem, branco e malhado, apenas acenou com a cabeça e buscou a encomenda. Entregou o pacote a Felipe, dizendo: “Some, pivete!”. Felipe descia rapidamente, quando ouviu tiros. Era o BOPE procurando Nandão. Assustado, o menino tentou se esconder. Mas os “homens de preto” estavam furiosos. Uma bala certeira atingiu o coração de Felipe: era apenas uma criança cuja desventura foi ter nascido ali.

terça-feira, outubro 16, 2007


Por uma Princesa!

Num Reino Encantado, conhecido só por aqueles de almas puras, nasceu há 16 anos uma bela princesa, Iris. Na época, ela já tinha um irmãozinho, três anos mais velho, Jonas. A princesinha e o principezinho cresceram em meio a animais e flores de todas as espécies. A Rainha, Ada, muito boa mãe, deixava os pimpolhos desfrutarem as belezas do Reino, mas sempre atenta para os perigos...Era a mais nova de muitos irmãos e irmãs e a Princesa Íris, entre todos os netos, era a caçula, mas infelizmente teve pouco tempo para aproveitar a presença dos avós maternos Ruben e Hanna, pois ambos faleceram quando ela tinha quase quatro anos.
Na adolescência, Príncipe Jonas passou a se vestir de preto com estampas cadavéricas. Aos poucos, ele e a Princesa Íris fizeram amigos na vizinhança. Alguns gostavam de vestir-se de preto também e tocar uma música barulhenta. Algumas irmãs da Rainha alertaram que os trajes e as músicas destes amigos poderia ser sinal de perigo. Mas a sábia Ada não deu ouvidos: trouxe a turma para o castelo e permitiu que eles tocassem as canções “amaldiçoadas”. Com os príncipes e todos amigos por perto, Ada percebeu que não havia nada de mal na diversão deles.
Íris gostava bastante de escrever. Às vezes, saía solitária e subia numa árvore com seu caderninho em mãos. Romântica, contemplava a natureza e poetizava sobre o amor. Mas, certo dia, uma cobra traiçoeira picou a princesa e ela desfaleceu. Quando Ada a encontrou, chamou o Xamã imediatamente. As palavras dele chocaram todos: Íris estava muito doente e só com muitas doses de amor poderia livrar-se do pior...Todos se entreolharam e exclamaram: “Mas nós a amamos tanto! Como lhes daremos mais amor?”
A partir de então, toda a enorme família, amigos, Rainha Ada e Príncipe Jonas puseram-se a refletir. Repensaram suas ações, suas palavras, seus gestos e suas exigências em relação à princesa. Sim, a amavam, mas não demonstravam explicitamente este amor. Não por descaso, mas porque simplesmente achavam que não era preciso. Compreenderam o que o Xamã disse e passaram a cercar Íris com todo amor que o ser humano é capaz. Não demorou a reação da princesa. E quando ela se restabeleceu por completo, o Reino nunca mais foi o mesmo: ninguém mais tinha medo de dizer “Eu te amo” e de, principalmente, oferecer amor.

quarta-feira, outubro 10, 2007


Dia das Crianças

Lembro-me, quando criança, esperava com ansiedade por esta data. Pois na minha família era assim: ganhávamos presentes no Natal, aniversário e Dia das Crianças. Não adiantava fazer birra ao ver a última Barbie nas lojas ou propaganda. Eu teria que esperar a próxima data comemorativa. Além disso, o presente do Dia das Crianças era de menos valor monetário do que o do Natal ou de Aniversário. Eu recordo-me que ficava irada quando muitas amigas ganhavam presentes fora destas datas e eu não. Mas hoje em dia agradeço a meus pais. Aprendi a me divertir com o brinquedo que tinha e conservá-lo. Aprendi também a brincar na rua, construir barracas, jogar peteca e apertar companhias.
Hoje em dia, criança não pede brinquedo para os pais. Pede um celular, um IPOD, ou uma imitação de notebook. Criança não brinca de casinha, criança não brinca na rua. Criança gosta de games e computador. Criança deixa de ser criança aos dez anos. Criança, apesar de existir danças infantis, prefere os “Rebeldes” ou “Latino”. Criança ganha brinquedo a todo o momento, seja dos pais, avós, padrinhos etc. Ela não sabe o valor de um presente. Criança assiste à novela das 21h e ao Big Brother.
Obviamente nem todas as crianças são assim. Mas é o que eu observo no geral e me entristeço. Crianças cujos pais têm um poder aquisitivo suficiente para lhes dar a melhor educação, cultura e caráter, mas se acomodam para não precisar dizer NÃO!
No outro extremo, temos crianças em abrigos esperando pelo Dia das Crianças. Mas será que brinquedos simples as deixarão contentes? Elas também vêem televisão: querem um vídeo-game de última geração... E as crianças das favelas? O polícia-e-ladrão é real. Os brinquedos são armas de fogo e os lugares que elas se escondem existem para avisar o traficante que a polícia está no morro.
Não vejo motivo para se comemorar o Dia das Crianças. Não há como negar que é uma data apenas para o comércio faturar. Esquecem até que o feriado deve-se a Nossa Senhora Aparecida. Mas ainda sonho que um dia celebraremos com dignidade, seja no dia 12 ou qualquer outra data, o dia em que nossas crianças voltarão a ser de fato crianças, cheias de imaginação e espontaneidade.

terça-feira, outubro 02, 2007



O mito do amor romântico

Há poucos dias encerrei a leitura de “Tristão e Isolda – Lenda Medieval Celta de Amor”. Não se sabe ao certo sua origem, mas a lenda inspirou diversas obras literárias da Idade Média e tornou-se uma das mais famosas óperas do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). Já havia tido contato com esta fábula através de outro livro que a usava como metáfora – “We: A Chave da Psicologia do Amor Romântico”, de Robert A.Johnson.
Resumidamente, “Tristão e Isolda” narra a história do amor trágico dos personagens título: Tristão, o mais valente dos cavaleiros, é incumbido de buscar a mais bela das mulheres, Isolada a Loura, para se casar com o tio, Rei Marcos. Porém, após enfrentar um dragão e conquistar o direito de levá-la para o Rei, Tristão ingere por engano, acompanhado de Isolda, um vinho contendo a poção mágica do amor. A partir deste momento, Tristão e Isolda passam a amar-se desesperadamente, sendo condenados a uma vida de desventuras...
Ao conhecer a lenda, lembrei-me de “We” (mas não posso garantir ao leitor que minhas próximas colocações são fiéis a esta obra, pois a li há bastante tempo...). Na vida real, não há poção mágica. Porém, quando nos apaixonamos a química cerebral é modificada e somos tomados por sensações extraordinárias: o dia brilha mais, o coração palpita e nosso semblante sorri por inteiro. A vida parece ter sentido apenas junto do(a) amado(a)...
Apaixonar-se é natural. Quase todos nós ansiamos por este sentimento. Mas ela traz consigo a ilusão: apaixonamo-nos pelo nosso ideal de amor. Por isso é comum entrarmos em conflito com o(a) parceiro(a) quando percebemos seus “defeitos”: com o passar do tempo, o encanto desaparece, ele(a) torna-se real. Paixão e amor são distintos. Amar significa renunciar à embriaguez da paixão e apreciar o outro pelo que ele é.
A história de Tristão e Isolda é um mito, o mito do amor romântico. E como todos os mitos da humanidade, este também reflete nosso funcionamento psíquico. Tristão e Isolda são o modelo de homem e mulher perfeitos. Quando nos apaixonamos, é por nosso Tristão ou Isolda interior que ficamos enfeitiçados. Mas se vivêssemos apaixonados, nada construiríamos, estaríamos presos ao outro e nem sequer conseguiríamos dividir nosso amor com um filho. Assim, para nossa sobrevivência e perpetuação, somos inerentemente capazes de transformar a paixão/amor romântico num amor de carne e osso.

quarta-feira, setembro 26, 2007




Em confronto com o desconhecido

Segundo Carl Gustav Jung, psiquiatra e escritor suíço, o ser humano alcança apenas uma parte do mundo, construindo seu próprio sistema de mundo. Muitas vezes, sentimos e percebemos este sistema como única realidade possível – somos aprisionados por ele.
Teoricamente, a idéia parece complexa, mas podemos compreendê-la no cotidiano. Não só evitamos o contato com quem não pensa como nós, como também condenamos a atitude alheia por não satisfazer nosso critério de certo e errado. Agrupamo-nos com pessoas que têm valores semelhantes aos nossos. Afirmamos não ter preconceito e acreditamos tratar a todos com ética e justiça, mas isto deixa de acontecer no momento em que nossas crenças são questionadas...
De fato, é da natureza de cada um de nós a construção da própria visão de mundo. A formação de conceitos é resultado do nosso desenvolvimento e é através deles que temos acesso à realidade. Sem eles, seria impossível nosso diálogo com o outro. Por outro lado, é também inerente ao ser humano a capacidade de ponderar sobre suas crenças e modificá-las. Mas, na prática, costumamos ser intolerantes com o que nos é estranho... Quantas guerras foram travadas pela não aceitação das diferenças (étnicas ou religiosas)? Quantos conflitos familiares, no trabalho ou em qualquer outro grupo acontecem por não conseguirmos entender alguém que não pensa como nós?
Não é uma tarefa simples aceitar uma postura discordante de nossos valores. Geralmente, não é uma questão de escolha. Admitir como correta uma atitude estranha a nós, pode nos colocar em contato com aquilo que uma vez enterramos e não pretendíamos trazer à tona, pois ir ao encontro do nosso íntimo dói – dúvidas são reacendidas. Como ninguém deseja sofrer, livrar-se de um possível tormento, julgando inadequado o que é estranho, é uma forma de defender o próprio bem-estar. No entanto, este bem-estar pode ser apenas imediato, uma vez que a pessoa que se apega fervorosamente a seus princípios, tende a se relacionar com poucos, além de se frustrar demasiadamente quando é contrariada.
Sofrer ao acolher o desconhecido é geralmente inevitável. Porém, é recompensador, pois quem acrescenta a si novas idéias e atitudes, aperfeiçoando as já existentes, expande seu sistema de mundo e torna-se mais altruísta.

sexta-feira, setembro 21, 2007


Memórias de um pedaço de pano

Sou uma camiseta, mas não uma qualquer: tenho 14 anos e trago em mim o retrato de um famoso líder de banda de rock. Estou velha. Minhas condições são realmente precárias: parece até que participei de uma grande batalha! A verdade é que fui muito usada desde que fui escolhida na Rodoviária de Ribeirão Preto.
Minha dona me ganhou quando estava com a idade que tenho hoje. Ela era fã dos Guns N’Roses e, especialmente, do vocalista, Axl Rose. Mas ao procurar, nesta cidade, por uma camiseta estampada com seu ídolo, ela não encontrou. Para a alegria dela, sua tia achou-me e, coincidentemente, a minha estampa era a mesma do seu pôster preferido.
A primeira vez que ela me usou foi uma ocasião especial: não havia cinema aqui e a sua escola organizou uma excursão até o shopping de Bebedouro para que os alunos assistissem “Questão de Honra”. Ela me vestiu com orgulho (naquele tempo, início da década de 90, não se usava “blusinhas” ou baby-looks), completando o traje com uma bermuda jeans e tênis. Neste dia, senti-me parte de sua identidade!
Lembro-me também que minha dona adorava me colocar para ir às aulas de teclado. E, depois que inaugurou o shopping de Barretos, foi comigo muitas vezes lá. Apareço também em várias fotos: em algumas, além de mim, ela está com um lenço amarrado na cabeça, tal como Axl Rose costumava fazer. Sua amiga e sua irmã a acompanhava na “fantasia”. Mas poucas vezes saíram em público assim, pois minha dona, apesar de gostar de usar o lenço, ficava envergonhada (vivendo entre elas, notei que o comportamento de uma influenciava o das outras. Deve ser porque estavam na tal da adolescência...).
Aos poucos fui sendo deixada de lado. Meninas não mais vestiam camisetas. Porém, minha dona não me descartou completamente. Guardou-me no armário junto com outras camisetas, como a da Copa de 94 e as da Copa de 90 e 86(!). Alguns anos atrás, ela resolveu adotar-me como pijama. Não era o que eu esperava, mas foi melhor do que ficar inútil...Quando ela começou a usar suas camisetas para praticar esporte, infelizmente eu já não estava em condições para isso. Tornei-me um farrapo. No entanto, ela ainda dorme comigo, mesmo com seus familiares insistindo para jogar-me no lixo. Presumo que ela não o faz porque, ao lhe trazer boas lembranças, induzo-a a bons sonhos.

quarta-feira, setembro 12, 2007


Maturidade e brandura

Algumas situações que antes me incomodavam, deixam-me indiferente. Por um lado, fico feliz, pois isto significa que estou cada vez mais apta para superar os percalços da vida. Por outro, entristeço-me, já que posso estar menos sensível... Então, indago-me: É preciso endurecer para atingir a maturidade?
Na infância, o ser humano é extremamente suscetível, pois está aberto para o mundo. É preciso pouco para fazê-lo rir ou chorar. Fala o que pensa – chega a ferir o outro por ainda não ter aprendido a encobrir seus sentimentos...Os anos passam e vamos assimilamos valores e normas sociais: o adolescente pondera sobre o quê e com quem falar, pois isto é essencial para a sua inserção num grupo. Mas, mesmo que guarde suas impressões para si, é extremamente sensível, sofrendo por razões que os mais velhos geralmente acham banais.
A aquisição da responsabilidade e da independência em relação aos pais (não só financeira como também emocional) é basicamente o que faz alguém ser considerado adulto. No entanto, na prática, isto não basta: uma pessoa adulta deve controlar seus impulsos, agir com austeridade e ter metas bem definidas, sobretudo se ela estiver inserida numa comunidade tradicional. Pouco espaço sobra para a espontaneidade, pois ser comedido é quesito para ser aceito socialmente – sem percebermos, quanto mais velas apagamos, mais restringimos nossa franqueza, reservando-a somente àqueles que consideramos íntimos...
Também deixamos de nos comover com questões que a maioria julga irrelevante ou escolhe ignorar, já que trazê-las à tona tornar-nos-iam inconvenientes. Além do mais, para usufruir um bem-estar material, o adulto geralmente centra-se no trabalho e na família. Assim, é comum um jovem universitário engajar-se em causas político-sociais que visam a igualdade social e, ao entrar para o mercado de trabalho, abandonar seus ideais.
Não sucumbir a este modelo de adulto é pouco provável. Mas busco resguardar, da minha infância, a curiosidade e o encanto pelo novo, e, da minha adolescência, a urgência de viver e a disponibilidade para fazer novos amigos. Meus ideais estão preservados, ainda que muitas vezes, no conviver, sinto-me impelida a escondê-los...
Acredito que a seriedade e sensatez adulta realmente proporcionam menos sofrimento. Porém, parodiando Che Guevara, é preciso amadurecer, mas jamais perder a ternura!

terça-feira, setembro 04, 2007


Meu relicário

Depois que terminei minha graduação, estando ainda em São Carlos, sentia-me carente de amigos. A maioria deles havia deixado a cidade (minha sorte era ter meu amor por perto – um amigo incomparável). Na época, desabafando pela internet com uma amiga, concluímos que fazer uma amizade verdadeira depois de formado é complicado porque, nesta época, as pessoas já têm um grupo fechado de amigos e não estão dispostos a conhecer outros. Ela também sofria com a falta de amizades. Mas acabei voltando para cá. E aqueles dos quais eu nunca tinha me afastado, receberam-me de braços abertos...
Embora nunca tenha formado um grupo homogêneo de amigos, eles mostraram-se igualmente fraternos nos momentos mais críticos da minha vida...Jamais elegi um como o melhor. Não porque quero fazer média, mas sim porque cada um tem aquele quê de especial e nenhum substitui o outro. Um deles, por exemplo, não tem papas na língua (colocando-me em situações embaraçosas), mas também me faz rir e pensar. Outro é meu informante número um, sabe de tudo que acontece no mundo (está com costume de me irritar tal como faz aquele que citei anteriormente, mas não me encolerizo para valer, pelo contrário, divirto-me).
Inesperadamente, reencontrei duas amigas preciosas dias atrás. Uma delas, mesmo morando perto, estava distante...Foi extremamente prazeroso, passamos horas apenas conversando. A outra, vive hoje bem longe daqui. Veio visitar a família e os amigos. Ouvindo-a convenço-me cada vez mais que felicidade e simplicidade são indissociáveis...Com ambas senti como se o contato não tivesse sido interrompido: muito em nós mudou, mas o afeto permaneceu...
Enfim, tenho comprovado que sempre é possível não só aprofundar as relações de amizade como também fazer novas. Pois alguns com os quais eu conversava apenas casualmente, tornaram-se grandes amigos. E através deles ganhei novas significativas amizades: as respectivas namoradas. Outros, mesmo estando sempre à minha vista, eu tinha receio de conversar. Eles têm me mostrado que a aparência realmente engana...
Saúdo hoje meus amigos barretenses, pois minha vida aqui sem eles seria opaca. E sinto-me feliz e aliviada por eles terem me mostrado que muitos corações, inclusive o meu, são capazes de abrir-se para o desconhecido!

quarta-feira, agosto 29, 2007


Ecos de “Aquarela”

Estava dirigindo e ouvindo música quando um trecho de “Aquarela” chamou minha atenção: “Sem pedir licença muda nossa vida/ E depois convida a rir ou chorar...”. Para quem não lembra dos versos anteriores, Toquinho refere-se ao futuro. Em seguida, completa: “Nessa estrada não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe/ Bem ao certo onde vai dar...”. Que a vida é imprevisível, todos sabem. Porém, viver sob esta condição, tranqüilamente, poucos conseguem...
Às vezes estamos bem, nossa vida é como sempre sonhamos e de repente um infortúnio acontece. Não só o que está por vir torna-se sombrio, como também o agora. Ficamos sem horizonte e sem chão. Podemos nos recupera logo, mas no momento em que somos surpreendidos é desesperador...Alguns, mesmo depois de restabelecidos, tornam-se receosos: evitam situações e pessoas desconhecidas. Tentam controlar o futuro a fim de não sofrer como no passado. No entanto, independente da vontade, o novo virá. Podemos fazer o máximo para que a nossa vida fique em nossas mãos como deixar de ter uma vida social após uma decepção... Porém, fugir do sofrimento pode trazer dores ainda maiores, além de nos privar de muitas alegrias.
Assim, acredito que a imprevisibilidade do futuro tornar-se-á angustiante ou não de acordo com as situações desagradáveis anteriormente enfrentadas – o modo de trabalhar o sofrimento refletirá na atitude diante do inesperado. Quem, por medo ou prevenção, prende-se ao passado, acaba estacionando-se lá. Geralmente pensa “está ruim, mas poderia ser pior”. Para sentir-se seguro, resolve que nada fará mudar seu “jeito de ser”, preparando-se para não se atingir por acontecimentos que o leve a repensar sua conduta. Já quem tira proveito do que sofreu (ainda que isto signifique dias de reflexão e noites mal-dormidas), não deixando que o desagrado, por pior que seja, limite o resto de sua vida, continua investindo no presente sem temer o dia de amanhã.
Tudo que vivemos jamais se repetirá: não só o mundo como também nós mudamos a cada segundo. Desfrutar de cada momento, sintonizando-nos de fato com aquilo que estamos fazendo, permite-nos desvencilhar dos aborrecimentos passados e viver plenamente o instante. Se o futuro nos trouxer lágrimas, já saberemos como torná-las passageira.

quinta-feira, agosto 23, 2007


Não se deixe dominar!

Não é de hoje que o ser humano perde-se em vícios. Dentre eles, o tabagismo, o alcoolismo e o abuso de drogas são os mais preocupantes. Felizmente, hoje em dia o dependente é considerado portador de uma doença e não mais alguém sem caráter. No entanto, à medida que a sociedade se modifica, surgem outras formas de dependência, por exemplo: não conseguir se desvencilhar do computador e alimentar-se excessivamente ao passar por qualquer desagrado. Vícios como estes trazem prejuízos visíveis e assim não é difícil perceber que se trata de um problema. Porém, as práticas saudáveis, dependendo da forma como são realizadas, podem também aprisionar o indivíduo, mas, por serem valorizadas socialmente, são aplaudidas e vistas como apropriadas. Tudo que é feito exageradamente é potencialmente prejudicial...
Embora já compreendamos que o trabalho em excesso pode gerar estresse, temos o costume de admirar quem se dedica quase integralmente a seu ofício. Certamente os familiares de uma pessoa que não consegue deixar de trabalhar, queixam-se e exigem mudanças. Mas de nada adianta se a prioridade dela for o status social que o trabalhar demais proporciona: “por que julgarei minha conduta problemática se consigo o que desejo?” – provavelmente é assim que ela pensa. Mas se analisarmos atentamente não seria esta também a justificativa de um dependente de drogas?
Consumir pode tornar-se facilmente um vício, pois desde a mais tenra idade somos impelidos a isso: Ter para Ser é o que a nossa sociedade estimula. Para aqueles de alto poder aquisitivo, o consumismo dificilmente torna-se um grande problema (a não ser que seja desenfreado a ponto de causar danos às finanças familiares). Já entre as pessoas de médio e baixo poder aquisitivo, há os que se alimentam inadequadamente para poder satisfazer a necessidade de comprar uma roupa; outros investem em carros e equipamentos eletrônicos, mas são negligentes com a educação dos filhos. Porém, talvez não sejam consumistas compulsivos e sim “viciados” na idéia de que status é o bem máximo.
O hábito transforma-se em vício quando somos controlados por ele. A partir daí, não importam mais as conseqüências, uma vez que também não nos responsabilizamos por elas. Tornamo-nos vítimas. E perdemos o que acredito ser nossa maior preciosidade: a liberdade.

terça-feira, agosto 14, 2007

Dê valor ao que te faz humano!

É sabido que falhas na comunicação provocam desentendimentos. Ainda assim, insistimos num diálogo precário com familiares e amigos. Apesar de estarmos na era da comunicação e constantemente surgir uma novidade a fim de maximizar as formas de interação, não aprimoramos suficientemente o básico: falar e escutar.
O ato de falar, sobretudo profissionalmente, é bastante valorizado. Conseqüentemente, existem cursos para tornar-se um palestrante de sucesso, um vendedor eficiente etc. No entanto, pouco destas técnicas são úteis no cotidiano, pois relacionamentos profissionais diferem dos pessoais: ser cordial no ambiente de trabalho, dependendo da profissão, é tão importante para se garantir o emprego quanto realizar bem o ofício; além disso, é mais fácil se agradável com aqueles que temos uma relação distante, impessoal.
Falar amistosamente com uma pessoa que nos é querida exige um esforço maior. Muitas vezes nos sentimos atacados e, por acharmos que ela nos conhece bem, deduzimos que ela nos atingiu propositalmente. Então partimos para o contra-ataque, ofendendo-a ou procurando refúgio num silêncio rancoroso...E se, em vez disso, mantivermos a calma? Podemos esclarecer que não gostamos do que foi dito, explicando ao outro que palavras ou gestos, aparentemente banais, deixam-nos desconcertados. Porém, nada disso será válido se empregarmos um tom acusador. É preciso paciência. Às vezes é bom se retirar, deixar para conversar depois (nestes momentos, desenterrar mágoas só trará mais desgostos: pensar em como dialogar visando uma reconciliação pode ser árduo, no entanto, beneficiará a ambos).
Quando um fala, outro escuta? A pergunta seria dispensável se ouvir com atenção não fosse raro hoje em dia. Estamos demasiadamente preocupados em expor idéias, contar as novidades, desabafar etc. Escutar não seria incomum se tivéssemos abertos para conhecer o outro, compreendê-lo. Talvez ele precise apenas de um ouvido acolhedor e quase nenhuma palavra: um olhar ou um sorriso pode ser suficiente. Mas a ânsia de falar nos leva a ignorar a necessidade alheia: apressamo-nos em aconselhar ou discorrer sobre nós mesmos.
Se não acrescentarmos à comunicação prudência e sensibilidade, os cientistas serão obrigados a reavaliar a tese de que a principal diferença entre o ser humano e os outros primatas é a linguagem por nós desenvolvida.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Abracadabra!

Dois gênios do cinema faleceram na semana passada: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Longe de Hollywood, ambos os cineastas inovaram (cada qual à sua maneira) a linguagem cinematográfica e tornaram-se referências para diretores do mundo todo. De Bergman, assisti a alguns filmes e, dentre eles, Saraband é o meu favorito. Já de Antonioni, infelizmente, nenhum: ao ler sobre sua obra, prometi a mim mesma ver Blow Up. Mas por acaso caiu em minhas mãos um filme que à primeira vista não passava de entretenimento: O Grande Truque. Não que seja uma arte como às dos cineastas mortos, mas tem valor, sobretudo, por ensejar uma certeira metáfora sobre a Sétima Arte.
No geral, o filme conta a história de dois mágicos profissionais que se tornam inimigos após uma tragédia. Porém, se olharmos bem de perto (como pede um dos protagonistas), perceberemos que o diretor do filme não inteciona apenas falar de mágica, mas também do próprio ato de fazer cinema: os mágicos são os cineastas e a platéia, nós, amantes da “telona”. Qual é a razão de ser do cinema? Assim como os truques nos iludem, nos levam a ver o logicamente impossível, os filmes, independente do gênero, transportam-nos para uma realidade inventada. Do mesmo modo que nos encantamos com uma mágica, mesmo sabendo que é “armação”, choramos, sofremos, nos assustamos e rimos diante de uma história fictícia.
Mas a analogia entre mágica o cinema não pára por aí. O próprio enredo de O Grande Truque desenvolve-se como uma apresentação de ilusionismo (segundo o narrador-personagem, todo grande truque consiste em três atos seqüenciais: “A Promessa”, algo aparentemente comum é exibido; “A Virada”, momento em que o comum transforma-se em extraordinário; e, por último, “O Prestígio”, as vidas ficam por um fio e o espectador vê alguma coisa impressionante). Desde Alfred Hitchcock, os bons suspenses seguem esta lógica. Além disso, tanto na mágica como nos suspenses hitchcockianos tudo que é apresentado ao espectador tem um porquê. O Grande Truque não foge à regra...
Bergman e Antonioni mostraram a natureza humana como ela é, não nos iludindo quanto a isso. Por outro lado, foram mestres inigualáveis no truque de nos fazer vivenciar os dramas de seus personagens. Mas enquanto necessitarmos de lágrimas, enigmas, aventuras, risos e surpresas, outros cineastas continuarão a satisfazer, magicamente, nossos desejos.

sexta-feira, agosto 03, 2007


O novo sempre vem

Conhecer é uma tarefa que parece mesmo não ter fim. Quando você acha que compreende a si mesmo, de repente, encontra-se reagindo estranhamente... Quando você pensa que seu julgamento sobre alguém é o correto, espanta-se frente a atitudes até então nunca vistas...Temos uma intensa necessidade de conservar o que somos, arraigando-nos a certas características para nos definir. Semelhantemente, esperamos que o outro não mude e atribuímo-lo uma personalidade estática. Suponho que esta aspiração para conservar tudo como sempre foi seja a responsável pelo nosso assombro diante do novo.
Acredito que na relação entre pais e filhos, espantos ocorrem em abundância. Há pequenos sustos como aquele vivido por um pai acostumado com filho que ouvia Rebeldes e de repente começa a se esgoelar no quarto com o heavy-metal do Iron Maiden (o fato do pai se assustar não significa necessariamente que ele desaprova). Outras mudanças de rumo têm um impacto maior, por exemplo, quando uma jovem, ótima aluna, anuncia para seus pais, à véspera da inscrição para o vestibular que, em vez de pleitear uma vaga no curso de Medicina, concorrerá para a formação em Artes Cênicas. Assim, independente dos pais serem mais ou menos conservadores, surpreendem-se diante das transformações repentinas daqueles que julgavam conhecer tão bem. Felizmente, conflitos como estes podem ser superados se houver disposição para aceitar o que não estava escrito.
Fora do ambiente familiar, a tolerância com o diferente é menor. Ao inserir-se em um grupo (de trabalho, estudo, esporte, etc) que já tem sua dinâmica (funcionamento) estabelecida, é preciso ser cuidadoso para não ser apontado como a causa das desavenças. Suponhamos que um novo membro de um grupo qualquer apresente propostas visando melhorar o rendimento e amenizar os conflitos já existentes: o líder do grupo, caso se julgue onipotente, pode se sentir ameaçado (o novato teve uma idéia que ele, o líder, não havia pensando). Se assim for, o líder certamente colocará todos a favor dele, estimulando o isolamento do novo membro...Mas é preciso ressaltar que não é apenas o grupo que rejeita o novo: ao conservar intactas convicções e estratégias, a pessoa que se inclui no grupo também está se recusando a compreender o diferente.
Impor é tarefa para tiranos. Conceder é atitude de sábios.

terça-feira, julho 24, 2007


Perdas e ganhos

O trágico acidente com o avião da Tam deixou o país inteiro atônito! Em meio à festa esportiva do PAN o horror nos surpreendeu. Como é de praxe no Brasil, só agora os problemas no Aeroporto de Congonhas terão a devida atenção: foi preciso que 200 vidas fossem interrompidas abruptamente para as autoridades responsáveis agirem...
Dias atrás, meu pai estava assistindo à TV e viu uma entrevista com um ex-piloto da Varig. Segundo o entrevistado, a Varig tinha como norma reduzir o número de passageiros quando estava chovendo: estando o avião mais leve, a aterrizagem na pista molhada tornava-se mais segura. Não se sabe ao certo porque o piloto do Airbus da TAM não conseguiu pousar corretamente: as primeiras informações divulgadas na mídia responsabilizaram o piloto e o co-piloto, mas li uma entrevista na internet de um ex-piloto, também da Varig, na qual ele diz que o Airbus estava com o peso máximo para pouso e, apesar de provavelmente o piloto ter falhado, as condições da pista foram determinantes para a ocorrência da tragédia.
Diante destas informações fiquei perplexa ao perceber que a simples redução no número de passageiros provavelmente teria evitado o infortúnio. As empresas de aviação preferem oferecer o máximo possível de passagens por vôo (além de passarem uma ilusória imagem de eficiência aos consumidores, não arcam com prejuízos financeiros), em vez de garantirem uma viagem mais segura nos dias chuvosos.
É impressionante como o dinheiro vale mais que a vida. O acidente da TAM, pela dimensão da tragédia, evidencia as conseqüências da ambição desmedida. Mas a ganância humana não é novidade. Basta lembrar (citando apenas poucos exemplos) das vítimas africanas da indústria do diamante, dos povos do Oriente Médio constantemente em guerra devido à indústria do petróleo e dos indígenas da América que foram dizimados em nome da conquista de terras que a eles pertenciam.
Luto para não acreditar que é próprio do ser humano cegar-se diante da possibilidade de enriquecer (ao ponto de negligenciar a vida alheia). Já está na hora de nos sensibilizarmos não somente perante catástrofes como à da semana passada, mas também ante às milhões de pessoas que vivem em condições subumanas graças ao luxo exacerbado e frívolo que uma pequena parcela da população mundial desfruta.

quinta-feira, julho 19, 2007


À Seleção de Robinho

A final da Copa América de Futebol, no último domingo, deixou claro, mais uma vez, que favoritismo não garante vitória. Quem acompanhou a competição, viu a seleção Argentina apresentar um futebol de dar inveja a nós brasileiros: Riquelme e Messi nos fizeram ter saudade da época em que ver a seleção canarinho era um show de bola. Já seleção de Dunga chegou à final por caminhos tortuosos e estava difícil acreditar que teríamos chances contra o nosso maior rival. As esperanças foram depositadas em Robinho. No entanto, o camisa 11 da Seleção não jogou bem. Apesar disso, a “Albiceleste” foi encurralada e cravamos um inesperado 3 a 0, com direito à um belo gol de Júlio Batista aos cinco minutos do primeiro tempo.
Lembrei-me de algumas Copas do Mundo. Na última, éramos os favoritos. Mas os comentaristas esportivos alertavam que sempre quando o Brasil chegava a uma Copa com toda aquela badalação, naufragava. Coincidência ou não, assistimos a uma constelação de craques jogar de forma apática e cair diante da França nas quartas-de-final (o tão falado “quadrado mágico” teve êxito apenas nos comerciais publicitários). Nas Eliminatórias para a Copa de 2002, os argentinos foram a grande sensação. Em vão: foram eliminados na primeira fase da Copa. Por outro lado, a seleção de Parreira de 1994 chegou à Copa desacreditada e, mesmo não agradando a todos brasileiros, conquistou o Tetracampeonato.
Assim, em competições curtas, envolvendo seleções, como a Copa do Mundo, a Copa América, a Eurocopa etc, dispor dos melhores atletas do país não garante o sucesso. No entanto, na ultima Copa América, a Argentina não tinha apenas craques de renome internacional: estavam entrosados e imbatíveis. O que aconteceu na final?
A imprensa brasileira dizia que o Brasil só teria chances de vencer se a rivalidade e os últimos resultados obtidos pela Seleção Brasileira frente à Argentina intimidasse nossos hermanos. Se isto aconteceu não sei dizer. O fato é que brasileiros jogaram com raça e categoria, impossibilitando os argentinos de repetirem as atuações anteriores. Na comemoração, liderados por Robinho, a seleção campeã da América desabafou cantando o trecho de uma samba de Jorge Aração que diz: “Respeite quem pode chegar onde a gente chegou”.

terça-feira, julho 10, 2007


É mais forte quem sabe mentir?

Acredito que a maioria das pessoas, desde a mais tenra idade, seja instruída a ser verdadeira. Aprendemos que a sinceridade é a virtude que sustenta as relações humanas saudáveis. Durante a infância, é fácil agir com franqueza. Mas à medida que os anos passam, a vida nos ensina que “dizer a verdade” nem sempre é conveniente. Ouvi uma opinião radical a respeito disso: o escritor mexicano, Guillermo Arriaga, em entrevista ao Roda Viva, disse que a mentira garante a sobrevivência, já a verdade pode levar à autodestruição...
Entre os extremos verdade/mentira ou sinceridade/falsidade há outras condutas que, aos poucos, assimilamos. Por exemplo, omitir: apenas deixamos de dizer o que sabemos, ou seja, não nos prejudicamos, mas, por outro lado, às vezes beneficiamos alguém em detrimento de outro. Ou então “falar meia-verdade”: contamos até o ponto que imaginamos não ferir o outro e/ou que não nos comprometa. Podemos também permitir que outra pessoa fale por nós: ou pedimos isto diretamente a ela ou simplesmente damos a deixa já sabendo que ela dará o recado. Embora estes comportamentos não sejam o ideal, muitas vezes, por inúmeros motivos, são necessários e, de certa forma, compreensíveis. Porém, há uma prática, infelizmente já enraizada no convívio social, que considero sórdida: esperar o outro virar as costas para maldizê-lo e, ao reencontrá-lo tratá-lo como um bom amigo (comentar sobre a vida de alguém é bem diferente de denegri-la).
“Ser sincero” realmente é mais penoso que simular. Creio que “não magoar o outro” seja a justificativa da maioria para não dizer a verdade. Eu concordo em partes: algumas verdades, em alguns momentos, para algumas pessoas, não devem ser ditas. O problema é que a exceção virou regra! Além disso, se somos tão criativos para mentir, também somos para imaginar um meio e um momento menos brutal para contar algo doloroso (só que para isto é preciso ainda sensibilidade e empatia...). Assim, na maioria das vezes, mentimos não para poupar o outro e sim para garantir nossa aprovação diante dele e/ou do grupo social: intencionamos mais preservar nossa imagem do que o bem-estar do próximo.
Apesar de “dizer a verdade” significar um risco para quem quer ser bem-quisto socialmente, acho que mais vale relacionar-se com poucos de forma autêntica do que se condenar a uma incessante dissimulação.

quarta-feira, julho 04, 2007


Escolhendo um mundo maravilhoso

Às vezes sinto um contentamento sem razão aparente. Segunda-feira passada me perguntaram se eu tinha visto um “passarinho verde”, pois eu estava cantarolando “What a Wonderful World”. Então eu respondi: “Escutei esta música o dia inteiro. Acho que ela me deixou feliz!”. Eu não só tinha escutado a canção, mas também lido um comentário que Louis Armstrong fez, em 1970, sobre o porquê de dizer “que mundo maravilhoso” diante de tantas guerras, fome e poluição. Eis alguns trechos de sua fala: “Parece-me que o mundo não é tão mau assim, mas o que nós lhe estamos fazendo. O que estou dizendo é: veja que mundo maravilhoso ele seria se lhe déssemos uma possibilidade (...). Se a maioria de nós amassem uns aos outros, resolveríamos muito mais problemas...”.
Sei que quando estamos drasticamente tristes ou estressados, não é uma canção que, magicamente, muda nosso humor. Mas não era este o meu caso. Eu estava predisposta a felicidade, pois tive um domingo diferente: fui ao circo com minha família, inclusive minha mãe, minhas sobrinhas e meu sobrinho. Há anos eu não assistia a um espetáculo circense. Foi muito bom ouvir a risada da criançada quando os palhaços se apresentavam! Além disso, à noite, conversei bastante com meu sobrinho: como é gostoso conhecer um pouco mais de alguém que você ama!
Acho curioso o fato de que passam desapercebidos muitos acontecimentos capazes de nos alegrar, mas é fácil encontrarmos motivos para nos irritar, irar ou entristecer. Muito do que banalizamos poderia nos fazer bem se déssemos a mesma atenção concedida ao que, potencialmente, nos aflige. Desta forma, acredito que muitas vezes criamos situações estressantes. Por exemplo, imaginem a cena: um pai está vendo televisão. Chega seu filhinho de quatro anos e pergunta “Papai, por que o céu é azul?”. O pai esbraveja “Vá brincar, menino! Não percebe que estou vendo o jornal!”. Nesta situação (que embora hipotética, penso ser bastante corriqueira) o pai não se permitiu desfrutar a companhia da criança, ignorando-a; escolheu assistir às notícias e, provavelmente, amargurou-se por causa delas.
Penso que os dizeres de Louis Armstrong não são apenas palavras bonitas. As escolhas que fazemos, cotidianamente, revelam quem somos e o que esperamos do mundo. Amar o Outro não é tão simples como parece, mas certamente é recompensador!

terça-feira, junho 26, 2007



Reinvente-se sempre!

Gilberto Dimenstein, em sua coluna dominical na “Folha de S. Paulo”, comentou uma pesquisa onde se constatou que idosos, após aprenderem usar a internet, sentem mais desejo de viver. A partir deste dado, o jornalista concluiu que o engajamento em qualquer atividade desafiadora faz bem para a saúde de qualquer ser humano, seja ele criança, jovem, adulto ou idoso. Em outras palavras, aprender uma nova habilidade significa saborear a vida, pois o corpo e/ou a mente são levados à ação. Isto, sobretudo para o idoso, é extremamente valioso, ainda mais se ele pensa que só lhe resta esperar pelo fim...
A curiosidade foi o motor das maiores descobertas da história da civilização. Mesmo Albert Einstein nada teria realizado se não estivesse incutido em sua alma o anseio de inovar (e talvez seja esta a primeira condição para que um talento se desenvolva). Infelizmente, muitos de nós, quanto mais velhos ficamos, mais nos acomodamos naquilo que já sabemos. Deixamos para trás aquele interesse que tínhamos na época da infância – aquela necessidade de ter explicação para tudo. E, para piorar, muitos pais e professores além de podarem o desejo de conhecer da criança, repreendendo as indagações que ela lhes dirige, ignoram as aptidões dela.
Lembrei-me, agora, de um verso de Chico Buarque “(...) o tempo passou na janela e só Carolina não viu”. Quantas “Carolinas” conhecemos? A pessoa que desiste de desafiar a si mesma, de testar seu saber, de buscar novos limites conformou-se em ver a vida de camarote. É confortável, há menos riscos de se decepcionar. Mas, ao mesmo tempo, significa privar-se do prazer que é tentar aprender uma nova habilidade. Pois, ainda que não se consiga atingir o objetivo, o tempo dedicado será válido: caminhar por territórios desconhecidos é, por si só, assimilar experiências. Já, imagine aventurar-se numa atividade e descobrir que não só é capaz de realizá-la como também se sente muito bem fazendo?
Talvez, desbravar novos horizontes faça tão bem a nós, simplesmente, por ser uma necessidade básica do ser humano. Neste sentido, negá-la, abster-se dela representa infringir nossa natureza e, por conseguinte, propiciar o nosso adoecimento. Não é à toa que o idoso, ao aprender uma nova atividade, passa a apreciar mais a vida. Viver ou morrer, de certa forma depende de nós...

terça-feira, junho 19, 2007






Tempos memoráveis

Lugares têm vida própria, pois carregam consigo uma história – daí a importância de conservá-los ainda que seja apenas na memória... Ultimamente um lugar em especial vem habitando meus pensamentos. Tem sido inevitável não me lembrar do “Bar do Caju”...
Dias atrás conheci e conversei com quem dirigiu o “Caju” até 1987: o irmão do saudoso João. Seu rosto e sua voz pareceram-me familiar... Naquela noite eu soube que o “Bar do Caju” foi o primeiro bar do Brasil projetado por um arquiteto, que Inezita Barroso costumava freqüentá-lo e que, por um tempo, a venda de uísque lá só era inferior à de bares das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte! Não conheci os anos dourados do “Caju” mas senti uma saudade esquisita (aquela sensação nostálgica por algo nunca vivido por nós). Imagino que Barretos era bem diferente...
Quando comecei a freqüentá-lo, o “Caju” já não era um bar-restaurante, era um botequim. Nesta época, já estava nas mãos do João e de sua esposa. Eu adorava sentar no balcão e papear com ele. Quando eu e minha amiga Amanda passávamos por lá durante o dia, parávamos apenas para conversar – o João tinha fama de ranzinza, mas conosco raramente ele se portava assim. As ocasiões que ele ficava extremamente mal-humorado eram aquelas que, por ter festa grande no Grêmio (“Peão e Sambão”, por exemplo), o seu bar lotava: além do trabalho triplicado, era mais provável haver brigas. Em dias assim, as bebidas eram servidas apenas em copos de plástico e quem era freqüentador assíduo sabia que o João não estava para conversa.
Tenho saudade! E afirmo com certeza: todos meus amigos que conheceu o “Bar do Caju” também têm. Nos fins de semana, não era preciso combinar onde nos reuniríamos, pois, mesmo que fôssemos para outro lugar, o ponto de encontro da turma era lá... Conheci muitas pessoas no balcão e nas mesas que ficavam na calçada. Com algumas, travei uma amizade preciosa. Ouvi piadas e conversas “cabeças”. Às vezes entrávamos na boate do Grêmio, outras permanecíamos no “Caju” durante a noite toda...
Quando saio com meus velhos amigos, não há uma noite sequer que não lembramos do João e seu “Bar do Caju”. Ele faleceu no dia em que o futebol brasileiro conquistou o pentacampeonato. Desde então, para nós, a noite barretense não foi mais a mesma...

terça-feira, junho 12, 2007


Sincronizando corações

Eu ainda acredito na pureza das pessoas e, por isso, ainda sonho com um mundo melhor. Digo ‘ainda’ porque se dependesse dos noticiários televisivos eu já teria desistido. Para prevenir-me de uma decepção fulminante ante a vida, pouco ligo a telinha. Gosto de filmes, pois me dão esperança... A partir destas poucas linhas, o leitor mais apressado pensará que me alieno da realidade e que creio num mundo ilusório. Mas algumas obras cinematográficas são mais que meros entretenimentos e, dependendo de como são apreciadas, tornam-se fonte de inspiração para o bem-viver. Um exemplo é “Pequena Miss Sunshine”.
Não sei se todos que já assistiram à história da garotinha que sonha em ser miss emocionaram-se tanto quanto eu. A meu ver, trata-se de uma das mais belas criações do cinema. Sem relatar o enredo (pois considero isto um imenso estraga prazer), discorrerei sobre as mensagens que, para mim, o filme transmitiu. Vamos a elas. Primeira: lute pela realização de seu sonho, por mais absurdo que ele pareça ser. Caso seja a aspiração de uma criança, ainda que para você pareça risível, apóie (neste momento, lembro-me de uma frase que o avô diz para animar a neta: "O verdadeiro perdedor é aquele que tem tanto medo de perder que sequer tenta alcançar a vitória"). Segunda: toda família tem suas esquisitices e talvez você odeie a sua por isso. Mas quando você mais precisar, ela estará pronta para te acolher. Além disso, ao ter contato com outros grupos familiares, você perceberá que jamais trocaria seus pais, irmãos e tios por ninguém, simplesmente por eles serem como são.
Já a terceira mensagem (em minha opinião, a mais bela) diz respeito à como ajudar alguém a enfrentar uma desilusão: concordo que precisamos nos frustrar para amadurecer, porém, evitar que alguém, principalmente uma criança, passe por uma cena traumática, é protegê-la (mesmo sendo o sofrimento necessário à vida, não o é a mutilação de uma alma). Pois ver teu sonho desmoronar, mas ao mesmo tempo contar com a o pleno apoio daqueles que sempre disseram te amar, faz-te acreditar que, embora você não se torne o que sonhara, é amado e aceito por quem realmente importa. Sentir-se assim talvez seja a genuína busca de todos nós...
Como o que foi dito contribui para aperfeiçoar o mundo? Segundo S. Freud: "Qualquer coisa que encoraje o crescimento de laços emocionais serve contra as guerras”.

terça-feira, junho 05, 2007


Por que eles “ficam”?

Se não me engano, aqueles que têm hoje trinta e poucos anos foram os primeiros praticantes do “ficar”. Refiro-me ao tipo de relacionamento amoroso adotado, principalmente, por adolescentes e caracterizado pela ausência de envolvimento afetivo e de compromisso posterior. Em outras palavras, “ficar” significa beijar alguém por algumas horas ou apenas por poucos instantes (às vezes um alguém que tenha acabado de conhecer e, neste caso, sentindo por ele somente atração física).
Andei lendo algumas pesquisas que confirmaram o que eu supunha: apesar de ser bastante usual “ficar”, os adolescentes preferem namorar. O que me intriga muito: por que “ficam” se ao que aspiram é um compromisso amoroso?
É nítido que a puberdade tem se iniciado cada vez mais cedo; o adolescente (ou pré), seja pela televisão, pela pressão dos amigos ou pelas transformações/exigências de seu próprio corpo, é impelido a começar sua vida amorosa. Por outro lado, mesmo os pais mais jovens, encontram dificuldades para acompanhar as mudanças no processo de adolescer ocorridas em tão pouco tempo (a adolescência vivida há quinze anos é bem diferente da que se perpetua atualmente), assustando-se quando seu “bebê” de 12 anos pede para namorar...Surge um conflito: os pais acham cedo, dizem para o filho que ele ainda não está na idade e deve aproveitar a infância, profetizando: “esta época não voltará jamais...”. Também falam que quando tinham esta idade brincavam muito ainda (imagino o espanto dos pais e os compreendo, mas, querendo ou não, os tempos mudaram) e proíbem seu filho de namorar. Além disso, passam a vigiá-lo mais de perto, restringem o uso do computador, vão à escola perguntar sobre o comportamento dele etc. Mas provavelmente nada disso adiantará... Presumo que seja a dificuldade criada pelos pais um dos fatores que leva o adolescente à “ficar”: não podendo assumir um compromisso como o namoro, mas, ao mesmo tempo, não querendo (de certa forma, não podendo de fato) se privar de “estar beijando”, ele opta por “ficar”, pois, sendo momentâneo, é mais fácil esconder dos pais.
Que os pais tenham receios é perfeitamente compreensível, mas escutar o que o filho deseja, procurar entender o mundo que ele vive e as necessidades que a ele são impostas talvez seja a melhor maneira de mantê-lo por perto (em todos os sentidos).

quarta-feira, maio 30, 2007


Censura ou Direito?

Dia 13 de maio último entrou em vigor a nova classificação indicativa para a televisão (Portaria 264 de 9 de fevereiro de 2007). Porém, o trecho mais polêmico está suspenso pelo Supremo Tribunal Justiça (STJ), devido a um processo movido pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão). Trata-se do artigo que define a vinculação entre faixa etária e horária, onde foram determinados horários para programas inadequados a crianças e adolescentes (até às 20h, qualquer idade; entre 20h e 21h, para maiores de 12 anos; entre 21h e 23h, 16 anos e, a partir das 23h, 18 anos). As emissoras alegam que estipular quando um programa poderá ser vinculado infringe a liberdade de expressão constitucionalmente garantida. No entanto, a classificação etária indicativa está também prevista na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
Deixando a lei de lado e enfocando a ética, pergunto: alguém acredita que a televisão preocupa-se com a educação da criança e do adolescente? Penso que as emissoras são fábricas de entretenimento e, interessadas em vender seus produtos, não medem esforços para atingirem altos picos de audiência. Por que não aderir a uma lei cujo critério de classificação televisiva é semelhante ao de democracias como Alemanha, Reino Unido e Suécia? Os detentores do “Quarto Poder”, além de comparar a regulamentação à censura ditatorial, argumentam que o governo está cerceando a responsabilidade dos pais. Mesmo que este zelo fosse verdadeiro, não se justificaria, pois a lei não retira a autonomia paterna (ninguém será incriminado por permitir que uma criança de 12 anos assista a uma novela das 21h).
A classificação televisiva permite aos pais obter mais informações sobre o conteúdo das novelas, séries, filmes, programas humorísticos etc (a lei exige que as chamadas para as exibições “a seguir” já contenham a recomendação etária e o respectivo critério – cenas de sexo e violência, por exemplo). Além disso, a determinação de horários auxilia aqueles que chegam à noite em casa e não têm meios para monitorar o que o filho assiste durante à tarde (ou muitos outros, que mesmo presentes, ignoram o que a criança vê...).
Resta-nos aguardar: finalmente à criança e ao adolescente serão assegurados o direito ao respeito e à dignidade, ou a mídia, sob o pretexto da égide democrática, continuará apresentando, em horários indiscriminados, conteúdos abusivos?

terça-feira, maio 22, 2007

Carência de Arte

Às vezes é revoltante morar em Barretos! Neste último fim de semana ocorreu, em diversas cidades do Estado, a Virada Cultural Paulista: shows, peças de teatro e cinema oferecidos gratuitamente à população. Moradores de Rio Preto, Araçatuba e Araraquara (citando apenas algumas cidades) puderam desfrutar os espetáculos. Já os barretenses tiveram que se contentar com as opções (por sinal, nada culturais) de sempre!
Sábado à noite. Eu estava subindo a rua 20, de carro, na companhia de um amigo. Ao passar em frente ao prédio do antigo Cine Barretos, meu amigo observou: “Se tivessem restaurado, talvez fosse possível a realização da Virada Cultural aqui...” Bom, não sei como está a questão da reforma do edifício, o fato é que nos causou tristeza ver aquele belo edifício inutilizado e cada vez mais degradado.
“Barretos não tem nada para fazer!” Já escutei e já pronunciei esta frase. Provavelmente, a maioria dos barretenses também. Eu não costumo viajar nos fins de semana, mas ouvi relatos de que nossa vizinha Bebedouro tem muito mais a oferecer, seja em matéria de entretenimento, seja de cultura (comparar com Rio Preto já é covardia).
É verdade que ultimamente até vem sendo possível prestigiar alguns eventos culturais na nossa cidade como saraus, exposições de arte, concertos e coquetéis de lançamentos de livros. Porém, tais apresentações normalmente são em ambientes restritos a convidados ou com entradas limitadas e/ou a preços inacessíveis para os menos favorecidos economicamente. Como é de costume no país, são estes os maiores prejudicados. Pois os barretenses privilegiados financeiramente, além de usufruir a cultura local, têm a oportunidade de assistirem, por exemplo, à apresentação de uma peça no Teatro Municipal de Ribeirão Preto...
Barretos acomodou-se em ser apenas a cidade da Festa do Peão, o que, cotidianamente, acrescenta muito pouco em termos de qualidade de vida para seus moradores. É preciso que a sociedade civil e o poder público conscientizem-se que oferecer opções culturais a toda população significa, além do bem intrínseco ao contato com diversas formas de arte, complementar a educação formal e contribuir para que jovens e crianças mantenham-se distantes de atos infracionais.

Nadime L’Apiccirella (nadime_lapiccirella@yahoo.com.br)

quarta-feira, maio 16, 2007


Lição de uma menininha

Já é lugar comum dizer que crianças podem nos ensinar sobre a vida – principalmente aquelas atitudes desaprendidas na busca pelo que acreditamos ser a maturidade. No Dia das Mães, minha sobrinha, Luíza, de apenas cinco anos, surpreendeu-me com sua sabedoria. .
Ela e sua irmã gêmea, Laura, estavam brincando com pedaços de imã e eu peguei uma bacia de plástico para colocarem um imã embaixo e outro em cima. Não deu certo, pois a bacia teria que ficar suspensa e não achamos um apoio adequado. Então eu comecei a fazer uma seqüência de batuques sobre a bacia, aprendida há muito tempo. Ambas quiseram fazer igual. Repeti inúmeras vezes. Elas tentaram imitar, mas perceberam que o som não era o mesmo. De repente, Luíza ordenou: “Muda de assunto!”, pondo fim à brincadeira. Eu dei gargalhada e Laura acompanhou-me. Luíza, que por um momento pareceu aborrecida, pegou seu picolé e riu muito também!
Alguém pode dizer que a frase de minha sobrinha é típica de um adulto. Concordo que o vocabulário seja, sobretudo a palavra “assunto”. É inevitável a incorporação da linguagem e comportamento adulto por uma criança no seu processo de crescimento: vê-se ainda que Luíza usou o vocábulo de forma metafórica, pois não era um assunto e sim uma brincadeira, o que demonstra sua capacidade de abstração. No entanto, Luíza apresentou espontaneidade e coragem, virtudes que em alguns momentos nos carecem.
Se pararmos para refletir, não são poucas as ocasiões que temos vontade de dizer simplesmente “vamos mudar de assunto!” e nos calamos, seja por receio de interromper o interlocutor ou por medo de admitirmos uma fraqueza. Luíza não estava preocupada em acabar com a minha diversão e não hesitou em dizer, mesmo que não diretamente: “eu não sei e, no momento, não consigo aprender”. Mas nem sempre o motivo de desejarmos cessar um diálogo é por não termos o conhecimento sobre ele: às vezes, ele nos incomoda por nos trazer lembranças dolorosas ou simplesmente por ser ofensivo. E mesmo nos causando sofrimento, continuamos ouvindo. Falta-nos a ousadia infantil! (Seja qual for a razão, reconhecer os próprios limites é mais doloroso para o adulto que, habitualmente, prefere se sacrificar, enganar a si mesmo e dissimular, em vez de admiti-los). Luíza lembrou-me que não somos obrigados a infringir nossa alma: basta mudar de assunto!

terça-feira, maio 08, 2007


Remediar não é o suficiente

Há quase duas semanas a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos somente para adolescentes que cometerem crimes hediondos. Além disso, a proposta prevê que o jovem deve ter pleno conhecimento do ato ilícito para ser submetido ao regime prisional, o que precisa ser comprovado por um laudo técnico elaborado pela Justiça.
Após o cruel assassinato do menino João Hélio, a sociedade clamou por mudanças rápidas e efetivas. Pode-se dizer que a proposta votada na CCJ é uma das respostas a esta demanda. Se aprovada pelo Senado e pela Câmera, estaremos protegidos, por um período maior, de indivíduos extremamente perigosos. Por outro lado, questiono se a redução da maioridade penal coibirá a criminalidade. A meu ver, o delinqüente juvenil que comete um crime bárbaro, com pleno discernimento do que está fazendo, dificilmente teme as conseqüências. Pelo contrário: o risco de ser pego talvez seja mais um motivador do ato do que um inibidor. E, seguindo este raciocínio, quanto mais drástica a punição, maior o risco e, portanto, mais estimulante tornar-se-á a prática do crime. Um outro dado que me leva a presumir a não diminuição dos crimes hediondos é a praxe que muitos criminosos adultos tem de recrutar menores de idade para a formação de quadrilhas: se a proposta for acatada, provavelmente teremos adolescentes cada vez mais novos envolvidos em delitos desumanos.
Não se trata aqui de defender uma opinião contra a emenda. Concordo que o tempo previsto atualmente na lei é muito pouco para criminosos como o Champinha ficarem detidos, ainda que a ex-FEBEM fosse hipoteticamente uma instituição modelo como as previstas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Pois mesmo que o jovem em questão desfrutasse de um tratamento psiquiátrico/psicoterápico acompanhado de assistência social e profissionalização, seriam necessários mais de três anos para uma recuperação satisfatória (e ainda assim tenho dúvidas se ele estaria apto para viver em sociedade). Mas o que temo é que as autoridades se acomodem caso a redução da maioridade penal seja aprovada. Para atacar a criminalidade, é preciso, em termos gerais, reformar o Sistema Penitenciário, aplicar, de fato, o ECA, além de garantir Saúde e Educação gratuita e de qualidade pra toda a população e, concomitantemente, combater a tão flagrante desigualdade social presente no nosso país.