Mafalda


sábado, dezembro 30, 2006


Balanço

Conheci uma garota. O nome dela é Mariam. Como estamos no fim de ano, fui logo indagando a ela sobre suas expectativas para os doze meses seguintes, ao que ela me respondeu: “Só espero não repetir os mesmos enganos de 2006...”. Fiquei um pouco sem saber o que dizer. Pensei: “Será que pergunto a ela sobre esses enganos?” Mal a conhecia e não queria invadir seu mundo assim de repente, sem autorização. Estávamos numa roda de amigos, muitos falavam, mas naquele dia eu não escutava quase nada. Algo me impeliu e eu disse baixinho: “Enganos?” Ela me olhou por uns instantes, baixou os olhos e falou mansamente: “Você quer mesmo saber? Não é nada extraordinário... Mas se quiser ouvir eu falo...” Eu acenei a cabeça afirmativamente.
Mariam falava baixo e pouco. Naquela ocasião, quase não tinha ouvido sua voz. Ela prestava atenção ao que era dito e, às vezes, parecia não estar ali. Quando perguntei a ela sobre as expectativas, tive a impressão de que naquele momento seu pensamento estava em outro lugar. E sua resposta veio de lá: “Falo de enganos porque penso que tenho julgado erroneamente as pessoas. Não deveríamos nem julgar, apenas sentir...”. Disse isso e ficou me olhando. Eu não pronunciei nada, esperei por algo mais. Então ela completou: “Mas não sei se isto é humanamente possível...” E eu apenas disse “Acho que não é...”.
No entanto, Mariam aparentava estar um tanto angustiada.. Eu fiquei em silêncio. E ela reiniciou: “Sabe, percebo cada vez mais que a maioria das pessoas não gosta de ouvir o outro, o que tem me deixado bastante incomodada. Mas, ao mesmo tempo, estou me tornando assim também. Raramente eu falo. Porém, sinto que não estou mais tão disposta a escutar. Isso me entristece...” Ela baixou a cabeça e disse em “tom de confissão”, como se fosse só para ela: “Às vezes, penso que é melhor ser sozinha...”. Eu não estava entendendo bem a relação destas falas com a anterior - sobre julgar as pessoas e, ela, parecendo adivinhar meus pensamentos, continuou num grande desabafo: “No próximo ano, espero me atentar para aqueles que merecem ser ouvidos. Sei que quando digo ‘merecem’ estou julgando. No entanto, não dá para ser diferente. Não consigo mais! Sinto que, ao tentar escutar a todos, estou me sufocando... Poucos me deixam falar. E estes poucos que me escutam estão sofrendo com a minha impaciência porque é com eles que tenho a liberdade de dizer que não agüento mais apenas ouvi-los, que preciso me expressar também!”. Mariam respirou, esboçou um sorriso e finalizou: “É arrogância demais querer ser o que sua natureza não permite...”.

domingo, dezembro 24, 2006


Espírito de Natal

Trocar presentes no dia do Natal é uma tradição há muito tempo incorporada por quase todo o planeta. Uma das razões para este costume é de comemorar o nascimento de Jesus como dádiva para toda a humanidade. A outra, remete às oferendas (incenso, ouro e mirra) que os Três Reis Magos concederam ao Menino Jesus para adorá-lo. Então, ao presentearmos as crianças, homenageamos Cristo, pois além de relembramos a generosidade dos sábios, estamos considerando Sua palavra: "o que fizerdes a cada um destes pequenos, a mim o fazeis" (Mt. 25, 40).
Muito se fala sobre o consumo exagerado na época de Natal atualmente. Somos bombardeados por propagandas com produtos para todas as idades. Mas, sem dúvida, as crianças são os maiores alvos. E é fato que o Papai Noel está bem mais evidente na imaginação dos pequenos que o Menino Jesus. O que não é tão inevitável quanto parece...
É cômodo culpar a televisão por todos os males. Com certeza, a publicidade e a programação da mídia têm uma grande responsabilidade sobre a fantasia das crianças. No entanto, os pais ainda têm a possibilidade de educar, seja pelo que diz aos filhos, seja pelos seus próprios atos. No caso do Natal, contar a história do nascimento de Jesus às crianças, explicando o porquê dos presentes, é uma tarefa fácil e de simples compreensão para os pequenos. Só que isto não basta. A criança absorve muito do ambiente em que ela vive. Não adianta desmentir com gestos o que você colocou a ela. É preciso que ela sinta o espírito de Natal - a generosidade entre os pais, irmãos, tios e avós. Como dizer a ela que Cristo trouxe paz à humanidade se o que ela vê é desunião e desrespeito? Não é o Papai Noel que traz o esquecimento do Menino Jesus. Somos nós que não lembramos Dele!
A história do bom velhinho é bem antiga também (inspirada na pessoa de São Nicolau, nascido em 350d. C e conhecido pelo seu altruísmo e compaixão). Quem se recorda da infância, sabe o encanto que era esperar pela chegada do seu trenó. Era como um dia mágico, aguardado durante todo o ano! Não era só pelos presentes, mas por toda a celebração em torno da data – as brincadeiras, as luzes, a família reunida e a ansiedade saudável!
Se buscarmos nos reunir em paz, festejando a amizade, o amor e a dádiva da vida, Jesus estará presente, durante não só o Natal, mas o ano inteiro...

sexta-feira, dezembro 15, 2006


Não basta tirar as correntes

Conheço uma história de um vilarejo estadunidense onde o povo negro vivia ainda sob o regime da escravidão e, quando foram libertados por uma forasteira, não sabiam como proceder na condição de liberdade...Trata-se do filme “Manderlay”, do polêmico diretor dinamarquês Lars von Trier. De início, a forasteira tentou instituir o regime democrático, ensinado-os conceitos e extinguindo hierarquias discriminatórias. Mas fracassou: os próprios ex-escravos rebelaram-se contra a nova ordem com a intenção de restaurar o regime de outrora.
Como todo filme deste diretor, “Manderlay” nos permite fazer inúmeras analogias, tanto com a história passada quanto com a contemporânea, tanto com a sociedade quanto com o cotidiano individual de todos nós. Os ex-escravos estavam acostumados a viver sob regras rígidas, horários e funções previamente estabelecidos por outro, considerado superior e inquestionável. Ao retirarem isso deles, é como se eles não soubessem mais quem eram, ou seja, perderam a identidade.
Assim, além de uma crítica ácida da escravatura e da democracia estadunidense, esta obra dá lugar para se pensar sobre a forma que recebemos as mudanças que nos são impostas ou que simplesmente acontecem. Um dia me disseram que mudar dói. De fato, pois é muito difícil transformar nossa rotina, nossos hábitos e, sobretudo, nossos conceitos. Às vezes, uma reformulação no cotidiano aparentemente simples exige questionarmos o que sempre tivemos como certo e inabalável, tornando-se ainda mais complexa quando o que precisamos mudar é aquilo que consideramos como a essência do nosso Ser.
Tal como os personagens de Manderlay tornaram-se escravos devido ao lugar que nasceram e a forma que foram “educados”, o que consideramos como nossa identidade é conseqüência daquilo que vivenciamos. Porém, apesar de nos apegarmos a determinadas características para nos definirmos, somos, acima de tudo, capazes de refletir e de engendrar transformações no nosso íntimo. Mesmo que mudar cause sofrimento, pode valer mais a pena uma tristeza temporária do que ser vítima, durante a vida inteira, do medo de se questionar.
Arraigar-se no que parece correto e seguro significa, muitas vezes, tornar-se um pássaro engaiolado, mas a diferença é que a liberdade está em nossas mãos...

quarta-feira, dezembro 13, 2006



Regresso à adolescência

No último fim de semana, fui viajar para Andradina, onde moram uma tia e dois primos – uma menina que acabou de completar 15 anos e um garoto de 17 anos. De toda minha extensa família, são com esses primos que tenho mais contato, tanto pessoalmente quanto pela internet. No entanto, apesar de já ter ouvido inúmeras histórias deles com seus amigos, só agora pude conhecer toda a turma, pois esta foi a primeira vez que fui para lá. Estar entre eles me fez sentir a vida como ela nunca deveria deixar de ser...
Quando se é adolescente, a amizade é realmente valorizada. Não é à toa que um desentendimento considerado banal por um adulto pode ser motivo de sofrimento para um garoto(a). Porém, ao contrário de nós, adultos, o adolescente parece perdoar com mais facilidade. Além disso, as relações entre os pares são mais afetuosas e eles se entregam mais. Nesta idade, ainda não são tão necessárias as máscaras sociais – o adolescente tem mais liberdade para abrir seu coração. Pois, mesmo que um garoto(a) sinta uma pressão para ser aceito no grupo, não acredito que isso tolha sua individualidade, pois ele(a) acaba escolhendo estar com aqueles que se identifica.
Entretanto, se escutarmos alguém chamando um adulto de adolescente, automaticamente interpretaremos de forma pejorativa. Ao deixarmos a adolescência, nos vemos obrigados a assumir responsabilidades e agir prudentemente. Assim, é comum lembrar esta fase do desenvolvimento restringindo-a a uma época em que éramos passionais e não tínhamos preocupações como trabalho e família.
Realmente, tornar-se adulto implica assumir compromissos e refletir nas conseqüências de seus atos – pensar no amanhã. É preciso abandonar o viver imediato adolescente. No entanto, isso não significa que devemos nos tornar pessoas extremamente centradas em nós mesmos, encarceradas pelo individualismo e impenetráveis no cotidiano. Entristece-me a dificuldade que tenho para fazer novas amizades com adultos. Parecem temer ser descobertos. Talvez, se preservássemos a sensibilidade, a afetividade e a transparência típicas da adolescência, poderíamos deixar que nos conhecessem e então conquistaríamos novos e autênticos amigos. A solidão somos nós que construímos...

quinta-feira, novembro 30, 2006


Não corte as asas, ensine-o a voar!

Como educar os filhos é um tema que suscita divergências. Há aproximadamente sessenta anos, acreditava-se que a melhor forma de educação era aquela em que o pai se portava como autoridade soberana, portanto inquestionável, cabendo a ele decidir sobre o que era melhor para seu filho até que este atingisse a idade adulta. À mãe era reservado o papel de dar afeto e cuidar dos afazeres do lar. Com a ascensão e popularização da psicologia e a revolução dos costumes a partir da década de sessenta, tal modelo educativo passou a ser questionado. Mas o resultado, de imediato, não foi o esperado...
Talvez por uma má interpretação e vulgarização dos saberes gerados pela ciência psicológica e/ou por uma falta de preparação da sociedade diante da perda dos alicerces tradicionais, os pais (e aqui me refiro à figura materna e paterna), com intuito de dar aos seus filhos a liberdade que não tiveram, atrapalharam-se no exercício de seus papéis: temendo os nocivos efeitos da repressão sobre os filhos, abdicaram integralmente de sua autoridade e a conseqüência, de um modo geral, foram crianças tiranas e manipuladoras. Atualmente, ainda há filhos que impõe sua vontade aos pais e não encontram empecilho para sua satisfação. E, os adultos que não medem meios para alcançar seu objetivo, não considerando os anseios do outro, provavelmente, são frutos desta forma de “educação”.
Não há receita para se educar um filho. No entanto, como tudo na vida, o equilíbrio é fundamental. Penso que resolver todas as situações pelo filho não é o ideal. Como também não o é deixá-lo fazer o que bem entender. Quando se trata de uma criança, os pais devem criar oportunidades para que ela desenvolva suas habilidades, estando sempre atentos para orientá-la. É imprescindível também falar “NÃO”, a fim de que o filho, além de aprender que os desejos têm limites, saiba lidar com as frustrações futuras que o mundo, inevitavelmente, apresentará. Acredito que uma criança educada com tal prudência tem mais chances de se tornar um adolescente seguro. Mesmo que os pais temam pelo filho, devido à impetuosidade característica da adolescência, é preciso confiar nos valores que foram transmitidos a ele até este momento. Podar sua energia e sua necessidade de descoberta significa não só propiciar que ele desenvolva uma rebeldia exagerada e nociva, como também fazê-lo duvidar da própria capacidade de distinguir o certo do errado.

quinta-feira, novembro 23, 2006



Anorexia midiática

Duas jovens vidas perdidas viraram notícia nas últimas semanas. Ambas eram mulheres de vinte-e-um anos e a causa mortis foi semelhante: vítimas de complicações decorrentes de anorexia nervosa. A mídia deu grande destaque para os fatos, mas pergunto-me: não será essa mesma mídia uma das maiores responsáveis pela alta incidência de jovens sofrendo de transtornos alimentares como anorexia e bulimia?
É comum relacionar casos de anorexia com o mundo da moda. Mas mesmo que esse ambiente favoreça o surgimento de tal transtorno, as modelos não são as únicas afetadas. Uma das recentes vítimas não era modelo. E, ao contrário do que destacaram os principais jornais, ela não cursava, atualmente, Moda. Era uma estudante do segundo ano de Psicologia. Além disso, pesquisando comunidades com o tema anorexia/bulimia e seus respectivos membros do site de relacionamentos Orkut, pude constatar que muitos jovens que têm anorexia (ou afirmam ter) são pessoas comuns e estão longe do glamour das passarelas.
Penso ser difícil que alguém deseje um corpo esquelético. Acredito que muitas pessoas que sofrem de anorexia, queiram, no início, ficar em forma. Suponho que quando atingem o peso ideal, o medo de engordar torna-se um fantasma e a pessoa em vez de conservar o peso, acaba perdendo cada vez mais. Mas não é a minha intenção explicar a causa da anorexia – cada caso é um caso. O que me importa aqui é o papel da mídia, pois o espelho dos jovens em geral, pelo menos no Brasil, não é o mundo da moda e sim, a televisão. As novelas são a nossa passarela: alguém já viu uma heroína da teledramaturgia gordinha? Nenhuma protagonista é anoréxica, mas todas têm um corpo escultural. A mensagem televisiva é simples e direta: tenha um corpo perfeito e será amada.
Fazer exercícios é essencial para a saúde: um corpo atlético reflete uma pessoa saudável. No entanto, muitas adolescentes se sentem inferiorizadas por não terem o corpo da sua artista preferida. Algumas, devido à sua estrutura anatômica, jamais terão, mesmo que emagreçam, mesmo que coloquem silicone e façam algumas plásticas. Assim, não adianta a mídia comover os telespectadores com reportagens sensacionalistas quando uma jovem morre de anorexia. É preciso uma reformulação na programação diária, pois, por bem ou por mal, a televisão ainda dita os padrões de comportamento da sociedade brasileira.

domingo, novembro 19, 2006


Tente mais carinho

Depois de muita conversa com amigas, amigos e comigo mesma, cheguei à conclusão que a grande queixa da mulher em relação ao parceiro, quando a fidelidade é incontestável, é a pouca atenção que ele despende a ela. Mesmo que o parceiro é deveras atencioso, às vezes, não basta – como disse uma amiga: “Quanto mais atenção a mulher tem, mais ela quer”. Concordo em partes.
Eu acredito que nós mulheres queremos ser ouvidas e acolhidas no cotidiano. E quando estamos aborrecidas, necessitamos ser compreendidas com paciência dobrada. Às vezes, a mulher esclarece seus anseios ao seu parceiro e ele a atende. Mas isso dura por um tempo, logo ele volta agir como outrora. Quando a mulher reclama, efetivamente, ele reage dizendo que ela nunca está satisfeita...
Assisti a um filme, “Separados pelo Casamento”, que retrata de forma cômica, mas verdadeira, vários aspectos do conflito entre casais. Há uma cena em que a esposa diz para o marido: “Eu queria que você quisesse levar a louça”. De fato, nós aspiramos que o companheiro sinta necessidade de nos agradar - desejamos que eles queiram de espontânea vontade. Assim, esperamos que para ele seja imprescindível nos dar atenção e ficamos extremamente irritadas quando precisamos solicitá-la sempre. Porém, nos equivocamos ao julgar que a falta de atenção significa menos amor, pois mulheres e homens são diferentes e a forma como amam é igualmente distinta.
Precisamos deixar de considerar o nosso jeito de amar como sendo o único modelo possível, percebendo as atitudes amorosas do parceiro mesmo quando não forem aquelas que esperamos. Isso não significa que devemos nos contentar com pouco, e sim tentar enxergar além de nossas carências. Vale a pena desfrutar do que ele oferece independente de suas ações serem espontâneas ou não, pois fazer algo apenas porque pedimos pode demonstrar que ele só fez porque nos ama. Quanto à falta de atenção, devemos dizer, sempre com ternura, o quanto isso é importante para nós. Será mais fácil conseguirmos o seu carinho, mesmo se tivermos que falar inúmeras vezes. Com o tempo, ou ele muda ou nos acostumamos a pedir seu acolhimento constantemente. Se nada disso nos satisfaz, está na hora de pensarmos se é realmente esse amor que queremos viver...

segunda-feira, novembro 13, 2006


O voleibol e a vida

Estive pensando como um esporte pode representar o espetáculo da vida. E talvez seja também por isso que sua prática nos faz tão bem, tanto para o corpo quanto para a alma. Escolho o voleibol para fazer minha comparação, já que é a este esporte que me dedico atualmente. Imagine que você e seu ambiente sejam um time de vôlei e a partida a sua vida.
O saque é o princípio, o impulso inicial daquilo que você deseja realizar. Se o que enfrentar for fácil, alcançará de imediato o objetivo como se fizesse um ace (ponto de saque em que a bola não toca em nenhum jogador adversário, caindo direto na quadra). Porém, a maioria das situações não se resolve prontamente. Você poderá encontrar obstáculos que o atinge como um ataque: a “força” dele e a forma como você se dispõe a recebê-lo decidirão o que deve ser feito. Se perceber que não é possível trabalhá-lo (analisá-lo, refletir sobre ele), seja por ser muito doloroso ou por você não poder arcar com as conseqüências no momento, simplesmente passe-o adiante e siga vivendo...
Já, ao notar que o “ataque-problema” pode ser pensado, é importante considerar que a maneira que você o recepciona será determinante para a sua solução. Se você estiver distraído ou indisposto, provavelmente apenas se defenderá: a consecução do próximo passo será prejudicada e exigirá mais esforços, seus e daqueles que o rodeiam, logo, ou você continuará com o incômodo ou terá um resultado insatisfatório, bem distante do ideal. No entanto, se você encarar a situação, atentando-se para as exigências do seu corpo e de sua alma bem como daquilo que de você esperam, colocará carinho antes de tudo: assim a questão será amortecida (ou abrandada), será mais fácil (ou prazeroso) o outro te ajudar e, enfim, você alcançará o que deseja com grande êxito, tal como uma bela cortada!
Conforme acontece no voleibol, na vida também nos machucamos. Às vezes, é possível continuar com nossas atividades normalmente, quando o “ferimento” não dói (ou não atrapalha) tanto. Todavia, em alguns momentos precisamos sim suspender nossas ações corriqueiras especialmente quando sentimos que estamos sem forças (ou despreparados) para lidar com certas situações, seja qual for o motivo. Nessas ocasiões, retirar-se para recuperar o equilíbrio não é covardia, mas um ato de sabedoria. Pois, “jogar” extremamente “contundindo” pode prejudicar não só um set como uma vida inteira...

terça-feira, outubro 31, 2006


Soberania popular

Uma conseqüência, certamente positiva, durante essa campanha eleitoral foi um maior envolvimento político do eleitor. A disputa acirrada entre Lula e Alckmin levou a população a se interessar pela busca de notícias e artigos além daqueles transmitidos pela mídia televisiva e impressa. Aqueles com o voto definido procuraram meios para defender e justificar o seu candidato. Outros, em dúvida, informaram-se a fim de decidir em quem votar.De qualquer forma, o acesso à internet foi de suma importância para o processo eleitoral.
Embora ter um computador em casa conectado à rede seja ainda privilégio da classe média, a proliferação de Cybers (centros comerciais que oferecem acesso a computadores conectados à internet, mediante o pagamento de uma taxa por hora ou por minuto) nas periferias das cidades brasileiras vem permitindo também à população menos favorecida economicamente expandir suas fontes de conhecimento. Como bem observou Luiz Carlos Azenha, repórter da Globo e internauta, o fato da população mais carente não ter seguido a escolha eleitoral da classe média deveu-se, em grande parte, às informações do mundo virtual. Foi uma das raras vezes, na história política do país, que a classe mais favorecida (não só economicamente como também, supostamente, no âmbito intelectual), não conseguiu impor sua opinião perante os mais pobres.
Terminado o pleito, ouvi algumas explicações para a reeleição de Lula que são, no mínimo, injustas. Compreendo o desapontamento de quem votou em Geraldo Alckmin, mas é preciso ter cuidado para não cair no preconceito “ingênuo”. A justificativa mais proclamada é “o povo gosta de esmolas”, o que significa uma desvalorização do “Bolsa Família” e, igualmente, de quem é beneficiado por ela. Outros dizem que Lula ganhou porque as pesquisas, por mostrar a sua vitória, induziram muitos a votarem nele. Se isso fosse uma verdade absoluta, seria impossível a eleição da tucana Yeda Crusius no Rio Grande do Sul...
Porém, a meu ver, a elucidação mais convincente para a escolha do Presidente foi a liberdade adquirida pelos menos privilegiados economicamente frente à grande mídia, através do oferecimento de informações diversas pelo espaço virtual, somada à idéia defendida por Marcos Coimbra (presidente do Instituto Vox Populi de Pesquisas) de que não votar no Lula significaria admitir que um “homem do povo” não tem competência para ser Presidente.

sexta-feira, outubro 27, 2006


O nosso “Paradiso”

Sou amante do cinema e é com imensa tristeza que vejo o prédio do Cine Barretos fechado e em estado de degradação. Acredito que a maioria dos barretenses compartilha deste sentimento e anseiam pela sua reabertura.
O Cine Barretos foi inaugurado na metade da década de quarenta com a exibição do drama Amar foi minha Ruína, com a atriz Gene Tierney. No fim dos anos 80 (aproximadamente) foi fechado: posso estar enganada, mas me falaram na época que a causa foi a falta de público! Lembro-me de ter que ir à Bebedouro para assistir a um filme. Certa vez, meu colégio organizou uma excursão até lá para vermos Questão de Honra. Era doloroso não ter um cinema na cidade (não havia as salas do Grêmio ainda).
Mas em 1993 (ou 1994) o Cine Barretos reabriu. Meu pai me levou até lá. A escolha do filme de reestréia não poderia ser melhor: Cinema Paradiso de Giuseppe Tornatore. Jamais esquecerei deste dia! Quem já viu este filme, independente de quando e onde, compreenderá meu entusiasmo. Pois esta obra retrata, com uma poesia única, a importância e a beleza do cinema ao contar a preciosa amizade entre um senhor e um garoto em uma pequena cidade italiana e seus esforços para manter o “Cinema Paradiso” aberto.
Recordo-me que nesta época teve uma promoção da Fanta no Cine Barretos: além de podermos assistir ao desenho Aladim de graça, ganhávamos refrigerantes. Eu, minha irmã e uma grande amiga fomos várias ver esta projeção. Era só diversão! Desconheço o tempo exato que cinema ficou em atividade...Um ano. Dois talvez...O que me lembro bem é que na minha adolescência não havia mais Cine Barretos. Mais uma vez fechado!
Atualmente, temos o cinema do shopping. Porém, creio que concordarão comigo: não dá para comparar aquelas salas com a magnitude do edifício central! A estrutura do Cine Barretos permite a projeção do espírito genuíno do cinema: a vivência coletiva, por um certo tempo, de um mundo ficcional, onde o público compartilha êxtase, alegria, medo ou tristeza. Além do mais, o Cine Barretos é patrimônio cultural da cidade e faz parte da história pessoal de todo o barretense que teve o privilégio de freqüentá-lo.
Que as autoridades competentes não se disponham apenas a restaurar o prédio, como também o façam no intuito de reabri-lo como Cine Barretos!

segunda-feira, outubro 23, 2006

Somos um só país
Neste último fim de semana, num bar situado no Leblon (bairro tradicional da classe média carioca), ocorreu uma briga animalesca entre lulistas e alkcmistas. Antes de prosseguir declaro que narrarei resumidamente os fatos e omitirei propositalmente a identidade partidária das protagonistas, pois assim não darei espaço para nenhuma interpretação enviesada a favor de um dos candidatos. Voltemos à fatídica noite: o desentendimento entre os grupos se iniciou com provocações verbais de ambos os lados e culminou com o confronto físico entre duas mulheres de quase quarenta anos: uma delas, após levar tapas e unhadas, reagiu mordendo o dedo da outra, arrancando-o! A moça foi levada ao hospital, mas não foi possível reimplantar o dedo... O médico declarou que este foi o primeiro caso que ele atendeu de paciente com parte do osso retirado pela mordida de uma pessoa.
Este acontecimento surpreende pela selvageria extrema, mas não é um caso isolado de agressão envolvendo paixões partidárias. No Paraíba, uma mulher foi agredida ao passar perto do comício de um dos candidatos a governador com adesivos do opositor no seu carro. Eu mesma fui atacada, mais de uma vez, com ofensas pejorativas na minha página do ORKUT (site de relacionamentos) por declarar meu apoio a um dos candidatos à presidência.
Eu era criança nas eleições de 1989, mas li muitas declarações de que a disputa eleitoral atual, no que diz respeito à postura dos eleitores, assemelha-se àquela de dezessete anos atrás. Há quem diga que agora está pior...Particularmente, sinto uma tensão no ar quando encontro conhecidos que votarão no candidato diferente do meu e, embora, na maioria dessas situações o respeito prevaleça, já notei uma certa hostilidade. É difícil apontar os culpados por este clima afrontoso. Poder-se-ia dizer que é a mídia ou os próprios candidatos... Somos sempre tentados a achar uma explicação externa a nós para justificar nossas intempéries. No entanto, deveríamos aproveitar estes momentos conflituosos para refletirmos sobre nós mesmos, nossos valores e nossa ética. Pois, independente do resultado do pleito, conviveremos com quem votou no outro candidato. E acredito que, seja qual for o eleito, desejamos perpetuar nossas amizades e, principalmente, construir um país mais justo.

terça-feira, outubro 17, 2006

Cultivem o espírito!

Há uma semana, no Campeonato Paulista, o Corinthians enfrentou o Santos. O jogo não foi transmitido pela TV aberta, apenas através do pay-per-view . Um torcedor santista, conhecido meu, foi assistir num bar, na companhia de amigos, santistas, são-paulinos e corinthianos. Ainda no primeiro tempo, o Santos abriu o placar e este santista cantou o hino do seu clube. Um dos amigos corinthianos revoltou-se e lhe deu um murro no queixo! Ao saber do acontecido fiquei perplexa: o torcedor foi agredido por um amigo com quem convive diariamente por causa de uma partida de futebol! O detalhe curioso é que o grupo que se reuniu para ver a partida era composto de estudantes de uma das mais conceituadas universidades públicas do país. Educação acadêmica é o que não falta para o rapaz ofensor...
Casos de agressão envolvendo estudantes de nível superior não é novidade. O fato contado abranda-se se lembrarmos do calouro de medicina morto numa universidade anos atrás...De qualquer forma, embora não tão grave, a briga entre os amigos demonstra mais uma vez que diploma não garante, necessariamente, a formação de um indivíduo que respeite o outro.
Hoje em dia, o convívio entre pais e filhos é reduzido e a escola tem um papel crucial no preparo da criança para a vida. No entanto, a Educação brasileira, desde a infantil até o ensino-médio, parece falhar na sua função. As escolas particulares cumprem com eficiência o conteúdo acadêmico, mas deixam a desejar na formação humanista dos alunos. Já nas escolas públicas, devido às condições adversas, o prejuízo é sentido em ambos aspectos.
Não é durante a universidade que se dá o desenvolvimento psico-social do ser humano. É na infância e na adolescência. Atrocidades cometidas por um estudante do nível superior refletem uma educação mal empreendida nos anos escolares. É certo que os pais desempenham um papel fundamental na formação da índole dos filhos, mas a escola, potencialmente, tem o poder de aperfeiçoá-la e, se preciso for, corrigi-la. Quando a Educação assumir este compromisso e concretizá-lo, teremos um maior número daquele tipo de profissional que se destaca não só pelo desempenho no ofício, como também por uma atitude íntegra nas relações com o outro, seja este um familiar, um amigo ou um desconhecido.

sexta-feira, outubro 06, 2006



Devaneio (?)

Eu tive um sonho. Estava num país de dimensões gigantescas... E eu o apreciava lá de cima, pois eu estava voando! Sob essa perspectiva eu via uma imensidão verde com pinceladas de azul. Quanto mais eu me aproximava, seus contornos se definiam. Pensei se tratar de uma obra de Monet. Fui tragada por essa beleza e decidi pousar. Foi difícil decidir onde: tudo naquele lugar era deveras estonteante!
Resolvi seguir a intensidade do verde e fui para o norte. Nunca havia visto floresta tão rica, com árvores altas e imponentes. Aos poucos fui deslumbrando-me com os animais: macacos, antas, garças... Cheguei nas margens do rio e encontrei peixes-boi, ariranha, lontra, tartaruga...Nossa, a diversidade da fauna e da flora era tamanha que eu não saberia descrevê-la! O estranho foi que após muito caminhar, não vi nenhum sinal de vida humana. Sobrevoei a área: não havia casas, pastos... nada!
Segui em direção ao nordeste. Deparei-me com um chão árido. Mas isso não tornava a região feia. Sobre a minha cabeça, passou uma formosa ararinha-azul. Atravessei a área em meio a juazeiros e jatobás, veados e gatos selvagens. Topei uma serra e a sobrevoei. Para minha surpresa, após ver à distância uma mata densa, contemplei uma imensidão de areia e, avante, o mar. Parecia o paraíso!
Continuei minha aventura. Fui para o centro do país. Avistei matas e rios, e também muitos animais, como o temível jacaré e a exuberante onça-pintada. Depois, chapadas e cachoeiras. Nas margens de um enorme rio (chegava até o nordeste semi-árido), havia lobo-guará e gavião. Seguindo em direção ao litoral sudeste, vi uma vasta floresta. Pude constatar que ela se estendia do sul até o nordeste do país. Pousei e logo notei os micos-leões-dourados e os tamanduás. E incontáveis espécies de flores, como as orquídeas. Fui para o sul, pelo seu interior, e encontrei as araucárias e, mais adiante, uma vasta planície verde.
Terminada a viagem, percebi que aquele lugar se assemelhava ao que um dia fora meu país. No entanto, não havia homens, mulheres ou crianças em parte alguma. Dei-me a chorar desesperadamente! Então escutei uma voz: “Vocês se extinguiram! E assim, conseguimos renascer!”. Espantada, perguntei: “Quem é você?”. A voz respondeu solenemente: “Sou a natureza!”.

sexta-feira, setembro 29, 2006


Tempo de viver

Em algumas situações consigo vivenciar, segundo por segundo, o que está acontecendo, sem pensar no passado ou no futuro, apenas estando ali, desfrutando plenamente o momento. É assim quando estou com minhas sobrinhas, pois o tempo pára e nada além delas e de suas brincadeiras parece ter importância. Quando estou no mar, a experiência é semelhante: divirto-me a cada onda, sentindo a força da água e desafiando-a; a única preocupação, durante esse deleite, é não me afogar.
A partir de minhas experiências, pensei ser somente possível a apreciação do presente tal como descrevi, em circunstâncias lúdicas, ou seja, momentos de brincadeira ou diversão. Mas eu estava equivocada. Dias atrás passei por isso em uma nova e distinta ocasião: eu e meu namorado estávamos em Campinas e fomos para a estação rodoviária às 18:30h. Chegando lá descobrimos que o próximo ônibus só partiria às 21:50h. Não tinha como retornar para a casa dos pais dele e então teríamos que aguardar por três horas...No início, ficamos irritados. No entanto, percebemos que poderíamos inventar o que fazer e aproveitar aquele tempo junto. Então tomamos um café, conversamos, fomos na banca de revistas e estudamos também. Em vez de nos entediarmos, prezamos o que a situação poderia nos oferecer e já que não tínhamos nenhuma obrigação a ser feita, pudemos fazer daquelas horas num lugar inusitado, um desses momentos em que nada mais importa.
Lamentavelmente, tenho a impressão que as pessoas estão cada vez mais preocupadas e ensimesmadas, pensando no passado ou em algo que ainda têm para fazer. Em raros momentos, param e apreciam o seu trabalho, o seu jardim, o seu parceiro ou um pôr-do-sol. Vivem correndo...Quando descansam, geralmente escolhem a TV como meio para isso. Quem dera pudéssemos dedicar tanta atenção aos pequenos acontecimentos do dia quanto destinamos às novelas ou programas esportivos...
A expressão Carpe Diem (aproveite/desfrute o dia) tornou-se bastante popular e difundida. Porém, no meu entender, tem sido praticada de forma errônea, como se Carpe Diem significasse apenas fazer o máximo de atividades no dia. Mas de nada adianta ocupar-se o tempo todo e não apreender o que cada momento tem de especial. É necessário viver intensamente, tornando o banal uma experiência única.

quarta-feira, setembro 27, 2006


SER ou TER? Eis a questão!

Durante toda a nossa educação somos instruídos pelos pais e pela escola de que o SER é mais importante que o TER. Deste modo, a pessoa que somos – nossas atitudes e nossos conhecimentos – tem um valor bem maior do que a nossa aparência e nossos bens materiais. No entanto pergunto: na prática, na vida cotidiana, isso é verdade?
Por mais que a família e a educação formal se esforce para transmitir virtudes que nos guiem à integridade, estamos imersos numa sociedade de consumo, cujas leis não respeitam a ética, ou qualquer moral ou religião. A mídia, poderoso meio de educação(?), sustenta-se pela venda de anúncios, então é natural que a sua programação incite o consumo, reforçando a idéia de que o nosso valor está naquilo que possuímos. Assim, um conflito se evidencia: para sermos alguém, ao contrário do que aprendemos, precisamos TER e, o outro, nos reconhece, nos identifica, através daquilo que oferecemos materialmente.
O apego material gerou um desequilíbrio na natureza humana. Se analisarmos minuciosamente os problemas que a humanidade vem enfrentando, certamente encontraremos suas raízes na luta pelos bens materiais. As guerras internacionais, embora tentam se justificar por uma questão social, são conseqüências da ambição pela soberania econômica. Os inúmeros problemas ecológicos são frutos da desenfreada exploração da natureza pelo homem em busca do conforto material. Os crimes cometidos por jovens da periferia são muitas vezes gerados pela busca de um status e de um lugar na sociedade que o exclui (imaginem para um garoto o que é ser “bombardeado” dia após dia pela televisão com produtos que jamais conseguirá comprar e sabendo que somente tendo posse deles tornar-se-á alguém). Estes são exemplos extremos, mas se avaliarmos nossas ações veremos que não estamos tão distantes assim da hiper-valorização dos bens de consumo...
É preciso praticar nossas virtudes. É preciso educar coerentemente, ensinando e agindo de forma a demonstrar o valor das atitudes humanas. É preciso exigir que a televisão nos ofereça uma programação de qualidade que exalte o respeito ao próximo por aquilo que ele é. Enfim, é urgente que se resgate nossa humanidade se ainda desejarmos SER humanos.

segunda-feira, setembro 11, 2006


Romance

Outro dia assisti ao filme “Orgulho e Preconceito”. Um olhar superficial poderia julgá-lo apenas como mais um conto de fadas. Porém, esta obra, versão cinematográfica do livro homônimo escrito por Jane Austen, possibilita refletir sobre variados aspectos da natureza humana: sociais, morais e afetivos, mesmo se tratando de um retrato de uma época e de um lugar (início do século XIX, Inglaterra). Mas, foi a diferença dos costumes que me atraiu, especialmente no que diz respeito às conquistas amorosas.
Naquela época, muitos casamentos aconteciam por interesse, principalmente econômicos. Embora aristocratas comumente procurassem uma esposa que também tivesse posses, alguns se encantavam por moças simples e belas e estas viam neles uma possibilidade de ascensão social e de propiciar segurança à sua própria família. Os bailes na cidade eram a maior oportunidade para o cortejo amoroso. A dança era o momento de máxima proximidade, onde olhares e palavras eram trocados. Não eram permitidos encontros sem a presença da família, a não ser na ocasião em que fosse feito o pedido de casamento.
O contato físico entre homens e mulheres era restrito às danças, pois mesmo os cumprimentos se davam à distância, apenas com um gesto. Assim, se por acaso, acontecesse um toque, por mais sutil que fosse, o valor sentimental era inestimável (há uma cena belíssima no filme que demonstra isso, mas minhas palavras seriam insuficientes para descrevê-la).
Voltando ao século XXI, percebe-se gritantes diferenças. Os casamentos não são mais por interesse, pois casamos por quem nos apaixonamos (ainda que não seja tão comum assim alguém de nível econômico privilegiado se unir a outro de situação econômica extremamente inferior à sua). E as conquistas, as paqueras (ainda se usa essa palavra?) estão longe de parecer o que eram há dois séculos. É verdade que existem trocas de olhares e danças, mas o salto para o beijo é muitas vezes rapidíssimo – na era do ficar não há muito espaço para o romantismo. Talvez, no início da adolescência, a conquista seja mais delicada, assemelhando-se ao século XIX, mas isto está cada vez mais raro.
Mesmo que os casamentos de outrora fossem aparentemente entre desconhecidos, podia-se ver, através de pequenos gestos e poucas palavras, a alma do outro. Hoje, é mais fácil dissimular, pois nem sempre o corpo revela a alma.

terça-feira, agosto 29, 2006



Metáfora

Em 1932, foi realizada uma pesquisa com pessoas portadoras de catarata congênita. Após serem submetidas à cirurgia que lhes deram a visão, elas relataram, inicialmente, que não enxergavam com nitidez. Viam estímulos fortes com muito brilho e cores. Para alguns pacientes estas novas sensações eram tão desconfortáveis que chegaram a solicitar ao médico que lhes restituíssem a cegueira.
Diante daquilo que desconhecemos, agimos, não raramente, de forma análoga a estes pacientes. Quando nos deparamos com uma idéia ou uma proposta de ação diferente e estranha às nossas concepções, tendemos a rejeitá-la de imediato. Refletir e talvez aceitar um pensamento novo, causa sofrimento, pois nos leva a questionar os valores que sustentam nosso juízo acerca da vida. É cômodo e compreensível nosso ímpeto de manter as mesmas convicções. Mas, conseqüentemente, cometemos injustiças, não vislumbrando os benefícios de um conceito inédito.
A história está repleta de casos que ilustram isso. Galileu Galilei, Joana D’Arc, Tiradentes, Nelson Mandela são exemplos de pessoas que foram perseguidas por ousarem nos trazer a luz. Felizmente, como no caso de Mandela, nem sempre o final é trágico - o que nos tapa os olhos é tão absurdo que o tempo se encarrega de desvendar. E não há como esquecer a trajetória de Jesus Cristo...Incoerentemente, muitos o servem, mas esquecem o porquê de sua crucificação. (Remeter à vida de Jesus, ainda que seja extraordinária e incomparável, é imprescindível para demonstrar o que a aversão ao inusitado pode causar).
Mesmo dispensando o conhecimento alheio é impossível não entrarmos em contato com o novo. A novidade é oferecida no cotidiano – a dificuldade não está na falta do que aprender e sim na ausência da curiosidade. No entanto, interessar-se pelo desconhecido implica coragem para enfrentar a própria insegurança e o “risco” de jamais retornar ao estado anterior. Embora pareça complexo, é isso que qualquer criança faz através das brincadeiras e na escola. A diferença é que tememos demasiadamente e pressupomos ou que já sabemos o suficiente ou que não temos mais idade para aprender...O conhecimento é uma obra aberta e interminável, e enquanto a saúde permitir, vale a pena construí-la. Mas é uma viagem sem volta: não cultive a esperança que alguém possa tornar-te “cego” novamente!

NOTA: A alusão à cegueira é apenas uma metáfora. Desprezo qualquer forma de desrespeito ao portador de deficiência visual.

sábado, agosto 26, 2006

Retrato da desigualdade

A Festa do Peão é uma grande celebração de nossa cidade. Fora daqui, quando se fala de Barretos, pensam de imediato na nossa famosa Festa. Sou barretense e desde criancinha a freqüento. Apesar disso, apenas neste ano reparei com tristeza no que vou lhes dizer. Ressalvo, desde já, que não estou criticando especificamente ninguém. Expresso aqui meu descontentamento a partir de um olhar desprovido de fanatismo por este evento.
Na primeira noite, tive o privilégio de ficar num dos camarotes. É óbvio que isso me agradou. Extremamente confortável! Além de comida e bebida à vontade, os sanitários estavam sempre limpos, pois os funcionários permaneciam lá. Estive num dos ranchos também. Situação semelhante. Já no sábado, após jantar no rancho, fui para a arquibancada do estádio. Estava completamente lotado. Passado um tempo, fui ao sanitário. Na verdade, tentei ir: a situação estava deplorável, chegando a ser desumano pedir a alguém que o utilizasse. Então, resolvi esperar, sentei e comecei a divagar. Neste momento, eu já não via o show. Passei a enxergar um retrato cruel daquela festança.
O que pensei primeiramente era porque o “povo” não pode desfrutar de banheiros limpos. Depois, fiquei triste ao lembrar que alguém teria que higienizar aquele sanitário no dia seguinte. “Nossa, quem faz esse tipo de serviço deveria ganhar muitíssimo bem”, pensei ingenuamente...Então, a amargura tomou conta de mim e refleti: “quem tem boas condições econômicas, gasta menos para curtir a Festa e é agraciado com imenso conforto; por outro lado, as pessoas de baixa renda, pagam para assistir os shows, por comida e bebida e, às vezes, são obrigadas a se submeterem a situações sórdidas, como a de utilizar aquele sanitário”. Essas idéias só cessaram quando minha necessidade me obrigou a me retirar do estádio e seguir para o rancho. E o mundo voltou a ser “cor-de-rosa” por alguns momentos...
Não sou ingênua de achar que o “povão” não estava se divertindo. A vida cotidiana é árdua e nestas ocasiões o ideal é extravasar. Além disso, é típico de nós brasileiros aceitar aquilo que é dado. Não temos um espírito reivindicador. Para mim, seria conveniente esquecer o que senti sábado à noite. Mas o sentimento foi mais forte que a razão. Não consigo me conformar e aceitar que o mundo seja naturalmente injusto. Pois se é, de onde vieram nossas idéias de igualdade?

NOTA: Este texto foi escrito para o jornal "O Diário" de Barretos. Mas não foi publicado...

terça-feira, agosto 15, 2006


Saudade

Falta. Dor. Choro. Paixão. Palavras que cabem no sentimento chamado saudade. Uma saudade entristecida se apenas estes substantivos defini-la. Eu gosto mais daquela saudade boa, em que as lembranças não deixam a solidão invadir a alma.
Há inúmeras formas de saudade. Há aquela que jamais será saciada e, por isso, eterna: a saudade daqueles que amamos e que não estão mais entre nós. Esta carrega sempre uma dor, mas o tempo nos faz sorrir de novo ao recordarmos a pessoa querida. Existe também a saudade de alguém que estimamos, mas que por uma razão ou outra, dificilmente, voltaremos a encontrar. Amigos de infância, da “rua” e da escola. É verdade que em tempos de internet e seus sites de relacionamento é mais fácil ter notícias de quem um dia conhecemos, no entanto há aqueles que só lembramos o rosto de criança e que justamente por que éramos crianças, não nos preocupávamos com sobrenomes. Só nos resta recordar...
A saudade mais gostosa é a da pessoa amada quando sabemos que vamos reencontrá-la. Eu estaria mentindo se dissesse que o momento da separação é tranqüilo. Dói. No entanto, passada a intensa sensação que está faltando uma parte de nós mesmos, as lembranças nos invadem e nos alegram novamente. Cecília Meirelles poetizou este momento divinamente: "De longe hei de te amar... da tranqüila distância em que o amor é saudade e o desejo constância". Esta saudade nos faz também repensar o relacionamento. Reconhecer as nossas falhas e perceber o que outro realmente representa para nós é mais provável que aconteça na ausência dele. Assim, a cada reencontro, temos a chance de recomeçar.
Mas não temos saudade apenas de pessoas. Quem não tem saudade da sensação de medo quando ia na Roda Gigante de um Parque de Diversões qualquer? Quem não tem saudade do sentimento natalino de quando éramos crianças? Quem não tem saudade daquela ansiedade para sair no sábado à noite? Quem não tem saudade de si mesmo em momentos especiais? Embora haja alguém ao nosso redor, existem ocasiões que não temos saudade da pessoa em si, e sim do que sentimos quando estávamos ao lado dela. Essa saudade é íntima e, ás vezes, é impossível descrevê-la.
Cada um tem suas próprias saudades. Saudade de cheiros, de sabores, do olhar inocente diante do mundo...

Virtude esquecida

Outro dia fui ao cinema. Tratava-se de um filme voltado para o público infanto-juvenil. Imaginem...Adolescentes em peso! Foi árduo assistir, pois eles conversavam, assoviavam, jogavam pipocas... Isto não é “privilégio” das salas do cinema de Barretos. Um tempo atrás, fui no cinema do shopping de São Carlos. Peguei um ônibus para ir até lá e durante o trajeto atentei-me para uma turma de meninos e meninas que também estavam no coletivo. Falavam alto, faziam algazarra. Confesso que meu incômodo nesta situação fora influenciado por meu humor desfavorável, pois sei como é bom se divertir assim. No entanto, ao entrar na sala de projeção, encontrei o mesmo grupo. Mudei de poltrona duas vezes. Em vão. Só consegui ver de fato, quando alguns meninos desistiram e se retiraram, uma vez que a trama exigia muita concentração.
Não tenho dificuldade nenhuma em conviver com adolescentes. Pelo contrário. Admiro a sinceridade de suas atitudes, a intensidade com que vivem o amor e sua curiosidade infinita. Mas, ultimamente, muitos garotos e garotas desconhecem as condutas básicas do convívio social.
Qualquer adolescente pode apresentar comportamentos de rebeldia, evitar os pais e buscar aprovação nos amigos. É natural que ajam assim, pois estão numa fase de descoberta do próprio corpo e do sexo oposto, de questionamento dos valores paternos e de construção da identidade. O que causa estranhamento é que muitos não respeitam o limite entre eles e o outro, seja este outro adulto, criança ou adolescente de um grupo que não o seu. Procedem como se o mundo pertencesse apenas a eles, principalmente quando estão com a “turma”. Às vezes, o espaço do outro é ignorado (como no caso do cinema), porém, há situações em que a pessoa é diretamente agredida, verbal ou fisicamente.
É importante ressaltar que este aspecto da adolescência de hoje é global e não se restringe à determinada classe social. Casos de bullying (termo inglês para os atos, nas escolas, de humilhação e agressão física e psicológica constante, infringida por aluno contra um outro aluno “escolhido” para ser a vítima) são freqüentemente relatados nas instituições particulares.
Embora os pais tenham uma parcela de responsabilidade pelo desnorteamento dos filhos, acredito que isto seja um reflexo da sociedade como um todo. A mídia, geralmente, prega a realização individual e momentânea como o bálsamo da felicidade. E os membros da sociedade abençoam quem atingem tal êxito. Assim, os adolescentes buscam o prazer a todo custo, seguindo o modelo do lar, das pessoas públicas e da televisão. Infelizmente, colocar-se no lugar do outro se tornou uma virtude rara.

terça-feira, julho 25, 2006


Espelhos

Todos se defrontam com um espelho cotidianamente, seja no lar, no trabalho ou mesmo numa simples poça d’água. Olhar-se no espelho, mesmo que hoje em dia seja bastante banal, é fascinante! O espelho nos dá a dimensão de como estamos, e engana-se quem acha que esse reflexo seja apenas de nossa aparência física: podemos ver também o estado de nossa alma...
Além de nos refletir, o espelho pode contribuir para que nosso ânimo seja mantido, agindo como um aliado ou como um implacável inimigo. Se estivermos em paz com nós mesmos, enxergaremos uma bela imagem, independente, por exemplo, de nossa idade e de nosso peso. No entanto, se nos sentimos amargurados, o reflexo enfatizará aquilo que está fora do ideal de beleza e, conseqüentemente, martirizamo-nos ainda mais. Neste momento, é preciso reagir e perceber que ali está projetada também a nossa tristeza. É evidente que o espelho não é uma mera ilusão – ele nos dá uma estimativa de nossa realidade física/emocional e a oportunidade para que a modifiquemos.
Ocasiões em que “brigamos com o espelho” acontecem comumente. E, às vezes, no mesmo dia, mudamos de opinião sobre o que “ele” nos mostra. Porém, quando a imagem vista é extremamente distorcida e por um longo período, torna-se muito preocupante. A pessoa com anorexia, por exemplo, por mais magra que esteja, olha-se no espelho e enxerga-se obesa. Em casos como este, não adianta simplesmente tentar convencê-la do contrário ou esperar que ela faça isso por conta própria – é necessária ajuda profissional.
No entanto, no dia-a-dia, as pessoas as quais convivemos podem nos auxiliar. Elas representam outra espécie de espelho, cujo nosso ânimo não desfigura. Certamente, aqueles que nos prezam, anseiam pelo nosso contentamento. E, justamente por se importarem conosco, não opinarão de forma a nos ridicularizar. Assim, estando aborrecido, amargurado, ou simplesmente desanimado, tome cuidado ao olhar-se no espelho. Reflita! Se não gostar do que vê, não se precipite avaliando-se drasticamente: pergunte a um ente querido como você está. Pedir este tipo de ajuda não é sinal de fraqueza ou insegurança, mas sim uma forma de ampliarmos o espelho para além do olhar enviesado por nossas emoções.

quarta-feira, julho 19, 2006



Vícios do Olhar

Quando fui realizar a pesquisa para minha monografia, numa escola de ensino fundamental (1° ciclo), presenciei uma situação que me causou imenso desconforto: fui buscar um aluno na sua sala e um outro garoto estava chorando. De imediato, a professora veio até mim reclamar dele. Disse que tal menino não sabia o que queria – queixou-se do sol em seu rosto e ela ordenou para que ele sentasse numa carteira no fundo da sala o que fez o menino chorar incessantemente. A professora me falou ainda que esta criança gostava de brigar e “não parava quieta”. Mas a criança veio até mim e disse-me que não conseguia ler – o reflexo na lousa o impedia, e por isso ele lamuriava-se...
Não foi a primeira vez que pensei sobre o que vou lhes contar, mas este acontecimento confirmou o que já é sabido: quando formamos uma opinião sobre uma pessoa, a enxergamos mediante este juízo, tornando-se improvável vê-la de outro modo (não é à toa que dizem: “a primeira impressão é a que fica”).
Isto se torna deveras preocupante ao considerarmos que tais opiniões desdobram-se em expectativas que nos influenciam, especialmente quando somos crianças. Se uma criança é qualificada como “inteligente”, tendemos a ver todos os seus atos como demonstração de suas habilidades e a incentivamos, através de elogios e atenção, a prosperar - o que geralmente confirma-se. Porém, se uma criança for rotulada como “menos capaz” (seja no âmbito social ou intelectual), tornamos-nos propensos à não enxergar seus êxitos, atentando-nos apenas para seus erros. Conseqüentemente, satisfazendo-se com a atenção recebida quando falha, a criança deixa de buscar o “sucesso” e reafirma o que esperam dela.
Nas escolas, os efeitos das expectativas, positivas ou negativas, dos professores sobre os alunos são evidenciados ao observarmos que a criança considerada modelo sempre se destaca, enquanto os que são classificados como “problemáticos” geralmente apresentam desempenho inferior durante toda a vida escolar. Não só os professores exercem influência sobre a criança: todos que convivem com ela, pais, tios e irmãos, são de crucial importância para a construção de sua personalidade desde sua mais tenra idade.
Atribuir ao outro qualificações e apoiar-se nelas para interagir com ele é uma reação natural do ser humano. Porém, é essencial que sejamos mais cuidadosos quando nos vemos diante de uma criança. Considerando-se que a infância é o período em que o ser humano tem maior capacidade para aprender e modificar-se e tendo ciência que nossas expectativas incidem sobre o destino de uma criança, faço um apelo para que todos nós esperemos sempre o melhor de nossos meninos e meninas, mesmo que eles não ajam conforme nossas orientações e nossos afetos.

quarta-feira, julho 05, 2006


Desilusão

A palavra acima poderia ser decepção, ou frustração, mas falando-se do jogo, no sábado passado, da seleção brasileira, penso ser a que mais o resume. A equipe brasileira (nego-me a dizer simplesmente “O Brasil...” - seria injusto com todos nós) chegou à Alemanha como favorita e imbatível: dado o seu elenco, sua campanha nas Copas das Confederações, seu técnico campeão mundial e toda a tradição do futebol brasileiro cinco estrelas foi fácil crer nessa supremacia.
Porém, como todos sabem, o favoritismo ficou papel. Assim, como em muitos anúncios publicitários, Ronaldinho Gaúcho e companhia não passaram de ilusão. Ilusão esta que a mídia começou a alimentar antes mesmo do início da Copa. Fomos bombardeados! Durante a Copa, tudo era motivo de notícia. Precisavam vender seu produto de ouro e nós, certos de que víamos os representantes do Brasil, acompanhávamos passo a passo.
Na primeira fase, o escrete brasileiro apresentou inúmeras deficiências. Mas, fizeram-nos confiar que estava evoluindo - os brasileiros estariam guardando seu jogo. Veio Gana, resultado enganoso. O brilho apareceria diante de uma grande rival, a França...Blecaute, pane: onde estava o “nosso” prestigiado futebol? O povo brasileiro sentiu-se mais envergonhado do que os próprios “medalhões” brasileiros em campo.
Tive a impressão que a cada lance, Zidane dizia: “Acorda, Brasil!” E, certamente, os brasileiros que estavam assistindo, despertou e esperou que entrasse Robinho, Cicinho, Gilberto (ou outros) – precisávamos mudar, precisávamos jogar... Mas, aquele que eu admirava pelo feito em 94 acordou tarde demais. Pela calma e conformismo de Parreira no banco, parecia que observava outro jogo (estando 1 a 0 para França, após colocar Adriano, ele disse a Zagallo: “colocar Robinho para quê?”); ou então, ele sabia que aquele futebol limitado era o máximo que seus comandados poderiam desempenhar. Mesmo que esta seja a explicação, por que o técnico não seguiu com o time que jogou contra o Japão? Infelizmente, os interesses individuais sobressaíram-se. Não bastava a seleção ser hexacampeã: os veteranos precisavam de recordes e de ser tricampeões mundiais.
Fomos iludidos, sobretudo, a acreditar que todos ali jogavam com amor pela seleção brasileira e que se preocupavam com o povo brasileiro (Ronaldinho Gaúcho e Adriano, mesmo com o vexame, divertiram-se no domingo). Minha esperança é que a nova geração se inspire no choro de Zé Roberto e na decepção sentida por Rogério Ceni, estes sim, dignos de serem chamados de brasileiros.
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quinta-feira, junho 29, 2006



Eis que renasce o Fenômeno

Escrevo antes do jogo contra a França. Independente do resultado, o centro-avante Ronaldinho (ou Ronaldo, como preferem alguns), nos presenteou, mais uma vez, com seu exemplo de perseverança e superação.
Somos um povo ingrato. Mesmo tendo provado em 2002 que não foi à toa que o apelidaram de Fenômeno, duvidamos de sua capacidade e muitos contestaram até a sua convocação. A imprensa o bombardeou: ele se tornou um peso incômodo. Mas Ronaldo, além de gênio do futebol, é sábio: foi paciente e confiou em si mesmo. Agüentar a pressão, inclusive de alguns companheiros de seleção, exige um equilíbrio emocional pouco comum (e olha que chegaram a apontar que era isto que estava faltando a ele).
Ronaldinho mostrou que precisava apenas de ritmo de jogo. Estava triste sim, milhões de brasileiros viam isto estampado em seu rosto, tanto nos treinos, nas entrevistas como nos jogos contra a Croácia e a Austrália. Mas essa tristeza, acredito eu, era reflexo das críticas que recebia e das especulações sobre ele, pois, alguém que se recuperou de uma contusão terrível no joelho e foi o grande nome da Copa anterior, jamais acharia que desaprendera seu ofício.
E além da falta de ritmo, faltava um parceiro no campo com quem não precisasse dividir espaço. Nos dois primeiros jogos, Adriano, apesar de ótimo de ser ótimo jogador, não rendeu ao lado do Fenômeno. Eles não se comunicavam. O único lance que deu certo envolvendo esta dupla foi aquele do gol do Imperador, com um belo passe do Ronaldo. Contra o Japão, Parreira resolveu testar Robinho no lugar de Adriano, e Ronaldo enfim mostrou que não esquecera sua arte (não estou criticando Adriano, mas já é fato que dois jogadores juntos em campo deixam a desejar. E entre Ronaldo e Adriano, o primeiro é quase unanimidade entre os torcedores e a imprensa). O Fenômeno balançou a rede duas vezes e superou o Rei em gols marcados pela Copa, tornando-se também, ao lado do alemão Gerd Müller, o maior artilheiro dos mundiais. Enfim, conseguui agradar a imprensa brasileira e mundial.
Após 22 de julho, Ronaldinho era só sorrisos. Todos esperavam que Robinho jogasse ao seu lado contra Gana, mas se machucou. Parreira então voltou a escalar Adriano ao seu lado e mais uma vez a seleção apresentou um futebol burocrático. Mas, o Fenômeno fora despertado e não decepcionou: antes dos cinco minutos, recebeu um lançamento perfeito de Kaká, deu um drible de corpo no goleiro: lá estava Ronaldinho comemorando um belo gol com a sua marca e tornando-se o recordista isolado de gols em mundias.
Parreira acertou em confiar em Ronaldo. Podem dizer que foi teimosia, mas acredito que no caso de Ronaldo, foi sensatez! Espero que o sensato vença e que Robinho ajude o Fenômeno a brilhar mais!

quarta-feira, junho 28, 2006



Sorrir para não chorar

Eternamente assim?
Que vida é essa?
Deixe-me chorar!
Senão só sorrirei para não chorar
Quero sorrir de alma!
Quero ser feliz!
Não apenas “sorrir para não chorar”
Quero me encontrar
Sorrir para mostrar o que sou
E não para esconder minhas lágrimas
Quero dizer o que penso
Quero ser amada
Quero proteção!
Sorrir de alegria, gargalhada...
De êxtase!
Sou feita de coração e razão
Sou emoção!
Não quero mais sorrir para não chorar...

terça-feira, maio 23, 2006


A Copa dos meus sonhos

A Copa do Mundo está chegando e o país inteiro está se preparando para ver o “Quarteto Mágico” entrar em cena. Eu sou apaixonada por Futebol e quando é a Seleção Brasileira que está no campo, a emoção é ainda maior! No entanto, apesar de ter visto Ronaldo brilhar em 2002, minha Copa preferida foi a de doze anos atrás.
Em 1994, o Brasil estava há vinte e quatro anos sem conquistar o título da competição mais importante do futebol mundial. E eu tinha amargado com milhões de brasileiros, os fracassos da seleção canarinho nas duas últimas Copas (em 1986, eu tinha apenas sete anos, mas me lembro bem daquela bola fora do craque Zico). A minha torcida pela seleção do Tetra começou nas eliminatórias no ano anterior. Nesta ocasião, muitos criticavam a seleção de Parreira, dizendo que o Brasil abandonara o futebol-arte, mas eu ficava extremamente feliz a cada vitória, mesmo que “suada” da camisa amarelinha. O jogo contra o Uruguai não só selou o passaporte da seleção para os EUA como certamente consagrou Romário como um dos grandes craques do futebol.
Assim, apesar da escalação e do esquema tático de 1994 não contentar todos os brasileiros, a presença de Romário trouxe mais esperanças. Durante a Copa, o Brasil precisou de muita paciência para vencer. Não houve exibições excepcionais. Mas não faltou emoção: é impossível nos esquecermos das oitavas de finais contra a os EUA, com o gol salvador de Bebeto e posteriormente, do jogo frente à Holanda, quando Branco disparou um tiro certeiro que colocou nossa seleção nas semifinais (que reflexo do Romário!). Depois, a cabeçada do baixinho diante dos altíssimos suecos nos colocou diante da temida azurra.
Dezessete de julho de 1994: Brasil x Itália. A partida foi extremamente equilibrada com poucos chutes a gol. À minha volta, irmãos e primos, todos com os olhos grudados na TV. Fim do segundo tempo. Prorrogação. Quanto nervosismo! Pênaltis!!! Pego uma foto do Senna. Taffarel defende e Dunga converte com garra. Vantagem brasileira. Baggio, o craque italiano, chuta para as estrelas. É tetra, é tetra, é tetra! (desculpem-me aqueles que não suportam o Galvão, mas seu grito naquele momento foi impagável!).
Concordo, não foram apresentações de gala (talvez, por ser a “minha” primeira final, seja a Copa que mais tenha me emocionado – não vi Garrincha e nem Pelé jogar). Mas foi na Copa de 94 que a seleção brasileira descobriu que a garra, a experiência, a perseverança e o companheirismo aliados a Carlos Alberto Parreira é uma boa receita para se tornar campeão. Que venha o Hexa!

quinta-feira, maio 11, 2006



Encontrando luz nas sombras

Imagine um lugar onde você possa ser você mesmo. Vestir a roupa que desejar. Acrescente a este lugar jovens e velhos convivendo harmonicamente. Agora, pense que a maioria dos jovens que vão lá gostam de Metal, mas às vezes você houve alguém tocando uma música caipira e recitando poesias. Não estou inventando, conheço um lugar assim.
Espacialmente, trata-se de um boteco com um galpão nos fundos. Muitos desenhos e muitos pôsteres. Bebidas esdrúxulas! Cenário um tanto mórbido!!! Ironicamente, é neste cenário desfavorável que venho encontrando a paz.
Lá, não importa o que você fez no passado, quanta ganha e se seu nome é importante ou não. O que te define é o que você fala e faz diante das pessoas que estão lá. O que pensarão de você depende de suas atitudes. É na relação com aquelas pessoas, às vezes tão diferentes de você, que sua imagem será construída.
Há um respeito mútuo. As pessoas querem falar, mas também ouvem. Ali, a novidade não é rejeitada. Pedir dicas de livros, de músicas e de poesias não é motivo de vergonha: é um costume!
De vez em quando aparece alguém mais embriagado, um pouco “fora de órbita”. Só que o máximo que pode causar é muitos risos.
Não há luxo, não há dinheiro e muitas vezes, a bebida acaba cedo. Mas há compreensão, experiência e tranqüilidade para tirar as máscaras...

quinta-feira, abril 27, 2006





Escutando a voz que vem do coração

Costumamos planejar, somos ansiosos ante ao futuro. E isto nos impele a agir conforme o que traçamos para nós mesmos. Assim, não damos espaço ao acaso, não permitimos transformações e rejeitamos o novo. O que vem de nós mesmos e não se enquadra naquilo que anteriormente decidimos ser, ignoramos, tratamos apenas como uma idéia ou sentimento passageiro.
Não deixamos a vida fluir, a mudança incomoda. Precisamos ter a segurança que não vamos nos machucar, que nossos sonhos não serão desviados. O dia de amanhã não pode ser tão diferente do ontem. Pois, já estamos destinados a cumprir o que decidimos para nossas vidas. O que acontece no presente é apenas um caminho sem encruzilhada. Seguimos em frente, sempre!
Estar livre para enxergar o que a vida oferece, é doloroso. Ter a ousadia de dizer não para o que está garantido é um ato de coragem! Mas, acredito que só assim é possível escutar a voz que vem do coração...

terça-feira, abril 25, 2006

Depois
Ouço você falando a cada gesto que faço! Você está ao meu redor! É impossível não sentí-lo tão perto! Tento desviar meu pensamento, escutar músicas que ainda não ouvi junto a ti. Mas mesmo isso me lembra você. Pois sei que escutaríamos juntos, mesmo sem ter a sua total atenção. Até aquelas que você não gostava, lebram-me você: sei exatamente o que você dizia de cada uma. Está tudo aqui! Agora é difícil dizer que é passado, tudo está presente: seus olhos´grande, seus cílios, sua boquinha vermelha, seu jeitinho de dormir!
no momento, a raiva se foi. Só tenho boas lembranças e uma imensa saudade!

Adeus meu amor, adeus meu menininho...

sexta-feira, março 24, 2006


“Não há paz, evitando a vida” *

Evitar a vida é não viver. Mas o que é viver? Há várias formas, cada um vive à sua maneira.. Se eu disser que apenas como e durmo, estou vivendo? NÃO! Não há como viver assim...Precisamos, nós humanos, de muito mais. Precisamos do outro. Nem que seja na nossa imaginação. Precisamos de uma referência para viver. Precisamos de um sonho. Precisamos realizar algo que dê sentido à nossa existência. Trabalhar...Amar...Ter amigos...Família.
Sem essa vida, nem escrever é possível. Há momentos que não há mais o que imaginar. Lembranças do passado causam sofrimento. Nostalgia sem perspectiva futura apenas dói. Podemos viver sem o amor sensual, mas não podemos viver sem sonhos. Precisamos amar o futuro, amar o amanhã. Viver apenas um dia após o outro, não é vida, é apenas o tempo passando. Ver o tempo passar e ter a sensação que você parou bem atrás é angustiante. É o momento onde se percebe que se está evitando a vida e de onde vem o tormento. È preciso agir. Mas por onde começar? Evitar a vida não é tão mal assim: não há compromisso nem com você mesma. No entanto, a dor volta, invade o dia. Uma hora passa, algo te distraí. Sozinha outra vez, a vida bate à porta dizendo que não há como escapar

Não sei o que Virgínia Wolf* quis dizer com esta frase...Não sei o contexto. Mas ela me chamou atenção. Há quem evite a vida por alguns momentos, há quem a evite por anos. Há quem na beira da morte se angustia ao perceber que não viveu. Eu sofro há cada momento que percebo que estou como a Carolina do Chico na janela...Luto contra a comodidade de continuar assim. Saio para a vida. Ela não é o Paraíso mas enfrentá-la não sentir-se morto, é simplesmente viver.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006




O invisível

Crianças vêem com o coração e captam o essencial. Isso não é uma idéia minha, é de Saint-Exupéry com o seu Pequeno Príncipe. Relendo depois de alguns anos esta obra, fiquei maravilhada: encontrei-me ali no diálogo entre o aviador e o menino de cabelos de ouro. Achei a resposta à indagação que às vezes me faço do porquê eu gostar tanto de estar com crianças, de brincar com elas.
Passei a maioria das horas deste fim de semana com minhas sobrinhas gêmeas de quatro anos e meio e me emociono só de olhar para as fotos delas. Sinto uma saudade imensa!!! Elas me cativaram assim como o aviador foi cativado pelo Pequeno Príncipe. A imagem delas está para mim como as estrelas estão para o aviador: são risos.
Crianças vêem aquilo que os adultos não conseguem, admiram aquilo que eles acham banal. Às vezes, eu me sinto só, pois me encanta justamente o que ninguém vê. Mas minhas sobrinhas riem e me fazem feliz também. Como é gostoso me divertir com elas brincando de batata quente: gargalhada toda vez que alguém é “queimado”. E se ganham o jogo comemoram não simplesmente por terem vencido mas principalmente por que terão a oportunidade de comandar a brincadeira: “batata quente, quente, quente...queimo!” Falam com a emoção de quem rege uma orquestra!
Elas se espantam com detalhes: “Tia Ná, olha o tamanho do caroço da Lu!”, disse a Laura se referindo à clavícula da irmã que se sobressaía quando ela mexia os bracinhos...Dei risada e mostrei-lhe a minha. E isso já virou uma brincadeira, pois a Laura quis exibir o “caroço” dela também! A inocência nos permite contemplar a simplicidade. Como é bom ver com os olhos infantis!
Quando sou cativada por uma criança (para isso acontecer basta que eu passe algum tempo com ela), a beleza do invisível aparece: o que me faz sentir diferente, às vezes até fora da normalidade adulta, permite que eu me sinta plena. Posso rir e fazer feliz aquela “pessoinha” sem muitas explicações: um saco plástico fazendo barulho já a deixa entusiasmada!
Sinto-me responsável: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” – disse a raposa ao Pequeno Príncipe. Essa responsabilidade me agrada, pois me faz sentir inteira: adulta sem abandonar os olhos infantis. Posso continuar vendo com o coração...

terça-feira, janeiro 10, 2006


O Mar

Não há nada mais belo, mais poderoso...Onipotente!!! Lá eu sinto a presença de Deus! Suas ondas me acolhem. Ás vezes, tornam-se ferozes! Desafiam-me...Mas, eu aprendi a respeitá-las...Sou amiga do Mar. Quando percebo que não dá para encará-las, reverencio-as, abaixando-me diante de sua fúria! E elas deixam-me atravessá-las tranqüilamente. Sinto vossa força sobre mim, no entanto elas não me arrastam, massageiam-me!!! Neste momento, não existe futuro...Há apenas o presente e o passado bom: aquele que me ensinou a celebrar o mar! Estou plena, apenas brinco!!!