Mafalda


quarta-feira, julho 19, 2006



Vícios do Olhar

Quando fui realizar a pesquisa para minha monografia, numa escola de ensino fundamental (1° ciclo), presenciei uma situação que me causou imenso desconforto: fui buscar um aluno na sua sala e um outro garoto estava chorando. De imediato, a professora veio até mim reclamar dele. Disse que tal menino não sabia o que queria – queixou-se do sol em seu rosto e ela ordenou para que ele sentasse numa carteira no fundo da sala o que fez o menino chorar incessantemente. A professora me falou ainda que esta criança gostava de brigar e “não parava quieta”. Mas a criança veio até mim e disse-me que não conseguia ler – o reflexo na lousa o impedia, e por isso ele lamuriava-se...
Não foi a primeira vez que pensei sobre o que vou lhes contar, mas este acontecimento confirmou o que já é sabido: quando formamos uma opinião sobre uma pessoa, a enxergamos mediante este juízo, tornando-se improvável vê-la de outro modo (não é à toa que dizem: “a primeira impressão é a que fica”).
Isto se torna deveras preocupante ao considerarmos que tais opiniões desdobram-se em expectativas que nos influenciam, especialmente quando somos crianças. Se uma criança é qualificada como “inteligente”, tendemos a ver todos os seus atos como demonstração de suas habilidades e a incentivamos, através de elogios e atenção, a prosperar - o que geralmente confirma-se. Porém, se uma criança for rotulada como “menos capaz” (seja no âmbito social ou intelectual), tornamos-nos propensos à não enxergar seus êxitos, atentando-nos apenas para seus erros. Conseqüentemente, satisfazendo-se com a atenção recebida quando falha, a criança deixa de buscar o “sucesso” e reafirma o que esperam dela.
Nas escolas, os efeitos das expectativas, positivas ou negativas, dos professores sobre os alunos são evidenciados ao observarmos que a criança considerada modelo sempre se destaca, enquanto os que são classificados como “problemáticos” geralmente apresentam desempenho inferior durante toda a vida escolar. Não só os professores exercem influência sobre a criança: todos que convivem com ela, pais, tios e irmãos, são de crucial importância para a construção de sua personalidade desde sua mais tenra idade.
Atribuir ao outro qualificações e apoiar-se nelas para interagir com ele é uma reação natural do ser humano. Porém, é essencial que sejamos mais cuidadosos quando nos vemos diante de uma criança. Considerando-se que a infância é o período em que o ser humano tem maior capacidade para aprender e modificar-se e tendo ciência que nossas expectativas incidem sobre o destino de uma criança, faço um apelo para que todos nós esperemos sempre o melhor de nossos meninos e meninas, mesmo que eles não ajam conforme nossas orientações e nossos afetos.

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