Mafalda


sexta-feira, dezembro 15, 2006


Não basta tirar as correntes

Conheço uma história de um vilarejo estadunidense onde o povo negro vivia ainda sob o regime da escravidão e, quando foram libertados por uma forasteira, não sabiam como proceder na condição de liberdade...Trata-se do filme “Manderlay”, do polêmico diretor dinamarquês Lars von Trier. De início, a forasteira tentou instituir o regime democrático, ensinado-os conceitos e extinguindo hierarquias discriminatórias. Mas fracassou: os próprios ex-escravos rebelaram-se contra a nova ordem com a intenção de restaurar o regime de outrora.
Como todo filme deste diretor, “Manderlay” nos permite fazer inúmeras analogias, tanto com a história passada quanto com a contemporânea, tanto com a sociedade quanto com o cotidiano individual de todos nós. Os ex-escravos estavam acostumados a viver sob regras rígidas, horários e funções previamente estabelecidos por outro, considerado superior e inquestionável. Ao retirarem isso deles, é como se eles não soubessem mais quem eram, ou seja, perderam a identidade.
Assim, além de uma crítica ácida da escravatura e da democracia estadunidense, esta obra dá lugar para se pensar sobre a forma que recebemos as mudanças que nos são impostas ou que simplesmente acontecem. Um dia me disseram que mudar dói. De fato, pois é muito difícil transformar nossa rotina, nossos hábitos e, sobretudo, nossos conceitos. Às vezes, uma reformulação no cotidiano aparentemente simples exige questionarmos o que sempre tivemos como certo e inabalável, tornando-se ainda mais complexa quando o que precisamos mudar é aquilo que consideramos como a essência do nosso Ser.
Tal como os personagens de Manderlay tornaram-se escravos devido ao lugar que nasceram e a forma que foram “educados”, o que consideramos como nossa identidade é conseqüência daquilo que vivenciamos. Porém, apesar de nos apegarmos a determinadas características para nos definirmos, somos, acima de tudo, capazes de refletir e de engendrar transformações no nosso íntimo. Mesmo que mudar cause sofrimento, pode valer mais a pena uma tristeza temporária do que ser vítima, durante a vida inteira, do medo de se questionar.
Arraigar-se no que parece correto e seguro significa, muitas vezes, tornar-se um pássaro engaiolado, mas a diferença é que a liberdade está em nossas mãos...

3 comentários:

Anônimo disse...

isso me remete aquele conto da rã e do escorpião...

http://www.gargantadaserpente.com/fabulosa/esopo/ra_escorpiao.shtml

=)

Anônimo disse...

Caro anônimo, obrigada por citar este site "garganta da serpente" e obrigada pelos comentários. A fábula do escorpião e da raposa foi muito bem lembrada por você e agora estou conhecendo outros contos.
Nadime

Anônimo disse...

prato cheio para metaforizar nossas existencias!! belo blog!!!

=)