Mafalda


quarta-feira, dezembro 24, 2008


Permitindo-me ser humana

Dia de Natal. Dia de celebrar o nascimento daquele que pregou compaixão, igualdade, bondade, justiça, amor. O coração fica mais leve, generoso, vontade de fazer apenas o bem, de fazer jus a esta data. Lembranças boas. Lembranças da infância, de tantos sonhos... Desejo de ser humana!
Então me entristeço. Lembro-me que no momento que estarei diante de uma mesa farta, trocando presente, acalorada pela família, outros estarão numa situação desumana. Vítimas da fome, vítimas da violência, vítimas da guerra. Vítimas da ganância, vítimas da fraqueza, vítimas do descaso.
Desculpem-me, mas meu coração não pode ignorar os idosos abandonados esperando pelo fim, as crianças que se entorpecem para esquecer que um dia sonharam, adolescentes sem perspectivas cometendo atrocidades, mulheres que mutilam sua dignidade em busca de um segundo de carinho...
Não posso esquecer dos meninos e meninas que passarão esta data longe da família por terem infringido a lei. Certamente, estão respondendo pelos seus atos. Mas não consigo deixar de pensar que enquanto muitos adolescentes estão passeando no shopping com sua família, outros estão privados de liberdade e nunca tiveram a oportunidade de fazer o mesmo.
Abro um parêntese me para fazer entender: não estou propondo uma relação direta entre homicídios, latrocínios, roubos e a falta de recurso sócio-econômico. Estou falando da morte da esperança, do uso de drogas devido à falta de perspectivas de realizar um sonho. Todo adolescente, independente da classe social, tem dificuldade de planejar o futuro. Vivem no imediato. É preciso muita orientação, muito amor familiar para não se perder. É preciso acreditar que realmente vale a pena estudar, trabalhar. É preciso ter um modelo a seguir. Tudo isto está ausente na vida da maioria dos meninos e meninas autores de ato infracional...
Mas se por um lado me entristeço ao me lembrar que para muitos o Natal não passa de um dia como outro qualquer, um dia de muita luta e às vezes de muito sofrimento, sinto-me bem comigo mesma ao perceber que me importo com o outro e que, no meu cotidiano, posso ajudar na reconstrução de sonhos.
É Natal! Tempo de nascer... Tempo de mudar!

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Meias palavras


Eu gostaria de poder contar. Contar o que me aflige, o que perturba, o que me angustia. Mas seria tomar o veneno tal como Sócrates. E seria doloroso demais...
É preciso entrar no jogo para sobreviver. No jogo dos que já estão calejados pelo cotidiano abrupto.
Não há heróis...
Por que almejamos a justiça, a honra, a integridade se, ao acordamos, a realidade do dia a dia nos mostra o contrário? De onde vem este desejo? De onde vêm nossos ideais? Quando tivemos contato com o “paraíso” para ansiarmos tanto por ele?
Mal comecei dar a cara para bater e levei uma pancada. É preciso silêncio. Aprender com Sócrates e viver como Galileu: negar, mas não abandonar a busca pelo conhecimento.
Vou entrar na “roda-viva” e tentar suavizar a melodia.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Não sou mais uma garotinha

Por muito tempo procurei algo fora de mim para me sentir inteira. Achei que fosse natural o estado de incompletude, da busca de auto-estima através da afirmação do outro. Meu bem-estar não dependia só de mim e, por mais que eu soubesse que isto me fazia vulnerável, não conseguia que de outro modo fosse.
Hoje percebo que todas as vezes que me relacionei amorosamente depositei no outro a responsabilidade por minha felicidade. E mesmo sabendo que um relacionamento depende de ambas as partes, tenho consciência que o peso que atribui às pessoas as quais amei, contribuiu para o esgotamento das relações. Sempre havia uma falta, mas eu não compreendia que o outro jamais iria satisfazê-la...
Diversas vezes li e escutei que é preciso amar a si mesmo para amar outra pessoa. Isto me parecia simples. Eu achava que me amava e também pensava que a forma que amei fosse a única possível. Eu me recusava a admitir que eu amava de forma romântica, querendo do outro aquilo que eu não encontrava em mim mesma. Demorei, mas finalmente pude sentir um enorme contentamento pela pessoa que me tornei e só então compreendi os equívocos que cometi.
Sinto-me, hoje, inteira. Meu espelho olha-me diferente de outrora. Tenho fontes de satisfação que dependem, sobretudo, das minhas ações. Meu bem estar não está atrelado a alguém em especial e, da mesma forma, as minhas angústias não estão. Isto não quer dizer que eu não sofra, que acontecimentos exteriores a mim não me afetam, mas sim que, atualmente, a responsabilidade por minha felicidade cabe bem mais a mim do que a qualquer outra pessoa. Sinto-me livre!
Consequentemente, estou perdendo meu medo de amar, medo de sofrer como antes. Todas as ocasiões em que rompi um relacionamento, senti como se eu perdesse parte de mim mesma. E talvez, de fato, assim fosse. Enfrentei lutos. Hoje penso que sou capaz de amar de modo saudável, que superei o amor romântico, pois encontrei meu oposto em mim mesma.
Mas só o tempo confirmará se realmente aprendi a amar. Deixarei o amor chegar.

terça-feira, setembro 16, 2008

Filosofando a partir de Boff
Recentemente, tive em minhas mãos um texto de Leonardo Boff, contendo o seguinte trecho “cada um (...) compreende e interpreta a partir do mundo que habita”. Desde então venho pensando constantemente nesta idéia e seus desdobramentos.
Se toda vez que fôssemos julgar a atitude alheia, atentássemos para o fato de que nossa observação carrega toda nossa vivência pessoal, certamente seríamos, no mínimo, ponderados. No entanto, geralmente consideramos nossas crenças, verdade absoluta, obstruindo assim a possibilidade de uma relação empática com o outro.
Abro aqui um parêntese para me arriscar no campo da fenomenologia, aprofundando a idéia inicial: não conhecemos o mundo em si, ou seja, o que sabemos sobre o mundo é o resultado de nossa experiência subjetiva. Em outras palavras, não temos acesso à realidade objetiva: percebemos o que foi apreendido por nossa consciência. Desta forma, poder-se-ia argumentar ser impossível compreender o outro, no entanto a intersubjetividade acontece, existem experiências universais, pois se assim não fosse qualquer relacionamento humano seria inconcebível.
Quando tomamos ciência de que nossa apreciação dos acontecimentos é realizada através de nosso histórico biopsicossocial, damos o primeiro passo para ter acesso à subjetividade alheia. Pois, se conhecemos o que nos leva a pensar e agir de determinada maneira, podemos distinguir e considerar a realidade do outro.
Acrescenta-se ainda que só transformamos nossa própria realidade se nos permitirmos novas experiências. Entretanto, de nada vale acumular conteúdos se estes não provocam mudanças naqueles já existentes.
Quanto mais deixamos a história do outro infiltrar na nossa, mais ampliamos nossa subjetividade. E, consequentemente, efetivamos a intersubjetividade: o mundo que cada um de nós habita torna-se maior e mais áreas de intersecção são desenhadas.

domingo, agosto 24, 2008

Ironia recuperada

O conviver exige certa mutilação do Eu...Não se pode SER inteiramente. Dizer o que se pensa não é dito. Há filtros. E quem não segue as normas, marginaliza-se. Já tentou falar na lata? Quantas vezes se deu bem? Durante a embriaguez é permitido. Mas já falou no jantar? Podemos opinar sim, mas assertivamente. Com polidez. A verdade é aceita com humor. Piadas. As piadas são o não dito. Ser engraçado até que é bom...Porém chega o momento em que é preciso dizer seriamente. Cuidado. Diga mas não se exponha. Fale meias verdades. Tenha precaução se não quer ser “mal visto” e tornar-se uma persona non grata. A "inquisição" existirá enquanto o mundo existir. Ninguém quer escutar o que não consegue dizer para si mesmo. Cuidado! Não se torne o escolhido: aquele que dirá pelos outros, mas também pagará por todos . Não seja tolo! Não queira ser diferente. Ser igual é fácil, é cômodo, é aceito. Não dói. Não sentirá êxtase, mas também passará longe de angústias. Não é assim que devemos ser? Sensatos, equilibrados, pontuais, eficientes, agradáveis? Leia. Mas nada que te deixe para baixo, nada que te faça pensar na mediocridade do cotidiano. Festeje. Mas esconda-se quando sair da norma. Beije seu parceiro com discrição em ocasiões sociais. Não desperte desejos, inveja, ciúme. Controle-se. Sorria. Fale mal depois. Insira-se no circo. “Tim, tim!”

quarta-feira, julho 09, 2008

Eu vi os olhos da liberdade

Um dia achei que finalmente havia conhecido a sensação de ser livre: quando tinha 18 anos fui morar em São Paulo, deixei a casa dos meus pais. Mas precisei morar com minha tia e não senti o gostinho, por completo, do que eu supunha ser a liberdade. Enquanto ainda lá estava, viajei à São Carlos para prestigiar o Lual da Universidade Federal (UFSCar), tendo Arnaldo Antunes como maior atração. Fiquei deslumbrada: ali estava a liberdade que tanto almejava.
Não demorou muito para que eu deixasse São Paulo e voltasse para Barretos com o objetivo de estudar para passar no vestibular da UFSCar. E consegui. Agora era tudo como eu sonhara: eu morava numa república, era dona de mim! Eu era livre o suficiente para chegar em casa a hora que eu quisesse, para escolher minhas companhias e festas. Mas sem limite, acabei indo longe demais, demais a ponto de ferir a mim mesma e detestar a personagem que eu havia criado. Foi difícil perceber que a liberdade que vivi era ilusória: vi-me presa a uma imagem irreconhecível – havia um abismo entre o que o outro esperava de mim e o que eu desejava ser. Sofri demasiadamente para me reinventar. Fui crescendo...
Aos poucos, dei-me conta que para sentir-me livre não precisava estar longe de meus pais. E ficava maravilhada cada vez que eu notava que aquilo que existe de mais belo em mim aprendi com eles. Mas ainda sentia um vazio que foi preenchido quando comecei amar intensamente pela primeira vez. Senti o sopro da liberdade. E pensava que desta vez seria eterna. Não durou esta sensação, pois não tardou para que eu me prendesse a este amor e o aprisionasse junto a mim...
Apaixonei-me novamente e achei que desta vez seria diferente, pois me vi livre para descobrir a mim mesma. Só que mais uma vez, coloquei-me numa cela. Eu queria me encontrar através do outro, julguei ser isso possível. Eu achava que o outro pudesse me conceder a felicidade. Eu não estava livre: eu dependia dele e dei a ele a responsabilidade sobre minha vida. Foram dias conflitantes. Eu temia me achar comigo mesma. Mas eu não podia mais me enganar e me vi sozinha.
Felizmente, a vida nos reserva surpresas. Fui agraciada com a possibilidade de me realizar, de colocar em prática anos de estudo e experiências vividas. E é nesta situação que estou hoje. Sinto uma liberdade genuína e a descrevo como sendo aquela que somente eu posso me conceder e independe da apreciação alheia.
Eu vi os olhos e o sorriso da liberdade. E não foi em mim. Eu vi num outro. E era deste outro que eu gostaria de ter escrito. Mas eu nunca sei aonde vou chegar diante da tela em branco. Deixo-me levar. No entanto, não poderia deixar de mencionar aqueles olhos, pois, se eu não tivesse tido o privilégio de contemplá-los, estas linhas não existiriam.

quinta-feira, junho 26, 2008

Mea culpa

Quando conheço alguém, por mais que não me cause boa impressão, acredito ser ele, no íntimo, uma boa pessoa. Talvez seja ingenuidade minha pensar que todo ser humano tem propensão para o bem e, se ele age de forma contrária a isso, é porque não lhe foi dada oportunidade de ser diferente. O interessante é que me decepcionei inúmeras vezes e ainda sim continuo acreditando...
Acho extremamente desagradável um ambiente de desconfiança mútua. Quando me dizem para não confiar em alguém, eu escuto, mas prefiro descobrir por mim mesma se tal pessoa merece ou não minha confiança. No entanto, venho percebendo que ultimamente estou me deixando levar pelo julgamento alheio. Estou acreditando no que a maioria diz, esquecendo-me que uma opinião unânime pode ser equivocada e injusta. Pois num grupo há sempre aquele que leva a culpa por tudo e ao chegar um novo membro, é necessário que ele também reproduza o que já está estabelecido: assim não haverá mudanças e questionamentos. Desta forma, quem já era apontado como a “ovelha negra”, continuará respondendo por qualquer instabilidade que surgir.
Existem pessoas que têm dificuldade de assumir os próprios erros, de pedir desculpas e aceitar as próprias limitações. Este tipo de pessoa, quando em grupo, a fim de se sobressair, procura eleger alguém como bode-expiatório e, através de intrigas encobertas, busca colocar todos os outros contra o escolhido. Por outro lado, esta pessoa não se comporta como um líder: ela vive à sombra do líder. Normalmente é uma pessoa perspicaz, carismática, mas que se afrontada utiliza de fragilidade para expiar seus erros. Ela se alimenta, mesmo que inconscientemente, da instabilidade do grupo, pois se o grupo tornar-se unido poderá trazer à tona seus medos e fraquezas.
Eu confesso que em grupo é realmente cômodo concordar com a maioria, unir-se a ela. Quem toma as dores do bode-expiatório é isolado juntamente com ele, correndo ainda o risco de se tornar o novo alvo... Percebo que minhas impressões, antes de me deixar influenciar, estavam corretas. Ainda acredito na boa-índole do ser humano, mas preciso aprender a discriminar quando estão usando a minha boa-fé para atingir alguém inocente.

sábado, junho 21, 2008


O papel da Educação na legitimação da Violência Simbólica*

O conceito de violência simbólica foi criado pelo pensador francês Pierre Bourdieu para descrever o processo pelo qual a classe que domina economicamente impõe sua cultura aos dominados. Bourdieu, juntamente com o sociólogo Jean-Claude Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrária, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma. A violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável.
A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o Estado, a mídia, a escola, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao propor leis que naturalizam a disparidade educacional entre brancos e negros, como a Lei de Cotas para Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao impor a indústria cultural como cultura, massificando a cultura popular por um lado e restringindo cada vez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, "elitizada".
A Educação, no entanto, está no centro desta discussão. Teoricamente, através da educação o indivíduo pode tornar-se capaz de distinguir quando está sendo vítima da violência simbólica e tornar-se um ator social que vá contra a sua legitimação. Devido à realidade sócio-econômica presente, os pais vêm se distanciando cada vez mais do papel de educar seus filhos, reduzindo significativamente a idade que vão para a escola: a escola configura-se como o principal agente educacional da sociedade pós-moderna. E, lamentavelmente, ao invés do que se espera, a escola não vem educando para formar cidadãos e sim para legitimar o poder simbólico da classe dominante.
A escola pública brasileira ignora a origem de seus alunos, transmitindo-lhes o "ensino padrão". Bourdie e Passeron explicam este processo pela Ação Pedagógica, que perpetua a violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: o conteúdo da mensagem transmitida e o poder que instaura a relação pedagógica exercido por autoritarismo. A autoridade pedagógica que visasse destruir a violência simbólica destruiria a si própria, pois se trata do poder que legitima a violência simbólica.
Os alunos não só reconhecem seus professores como uma autoridade, como também legitimam a mensagem que por eles são transmitidas, recebendo e interiorizando as informações. Isto garante uma reprodução cultural e social da classe dominante, uma vez que os professores pertencem a esta classe. Como já foi dito, a violência simbólica é estabelecida a partir do momento em que se hierarquiza os cargos na escola, pois assim como a mensagem transmitida não é natural, esta relação hierárquica de poder também é arbitrária.
No Brasil, o conteúdo transmitido nas escolas é aquele que interessa à perpetuação da hegemonia cultural da classe média e alta: a realidade do branco, urbano e bem sucedido é passada como exemplo natural de sucesso; as peculiaridades das culturas regionais são transmitidas a título de curiosidade; quanto às culturas do índio e do negro, indissociáveis do que poderíamos chamar de cultura brasileira, são transmitidas como algo à parte da cultura dominante, tornando-nos alienados quanto à sua presença no nosso cotidiano.
Ao focalizarmos "grupos menores", constataremos que o problema da violência simbólica é ainda mais gritante. Uma criança da periferia, por exemplo, tem um cotidiano muito distante do que é ensinado na escola. Na escola ela aprende que é importante estudar para ter uma profissão, para "ser alguém na vida". No entanto, muitas vezes esta criança trabalha para ajudar a família e, dependendo do caso, viver para ela é uma questão de sobreviver. Outro exemplo está na realidade das crianças que residem nas favelas dos grandes centros urbanos, onde é comum a família viver salvaguardada por traficantes: o "mocinho" que protege sua família é o bandido responsável pela destruição da instituição família. Mas nestes casos o conflito de realidades é observado facilmente.
Ao nos depararmos com a linguagem, observaremos como a violência simbólica age de modo dissimulado e imperceptível ao "senso comum". Segundo o sociólogo Basil Berstein, o discurso dos alunos é reflexo das relações sociais dos seus ambientes familiares, existindo "uma relação entre o modo de expressão cognitiva e seus ambientes familiares". As crianças das classes economicamente mais baixas, ao ouvirem o discurso (da classe dominante) transmitido pelo professor, são obrigadas a traduzir para uma linguagem mais simples, tornando-o inteligível. Desta forma, para conseguirem ter sucesso na sala de aula, tais crianças precisam aprender um novo tipo de discurso, entrando em contradição com os códigos utilizados no seu ambiente familiar e tendo que aprender a trocar de códigos conforme a situação. Ou seja, é exigido das crianças das classes economicamente mais baixas um esforço adicional da sua atividade cognitiva, isto é, capacidade de conhecer algo novo através de sua percepção, memória, raciocínio ou imaginação.
Quanto maior a proximidade entre o discurso simbólico do ambiente familiar com o ambiente escolar, o sucesso e a inserção escolar estarão mais garantidos. A educação escolar, assim, além de reproduzir a cultura dominante, contribui para a perpetuação da desigualdade social, funcionando como um selecionador dos alunos adaptados a esta cultura. Alguns educadores defendem que, para superar esta desigualdade a criança deveria aprender a linguagem dominante. Este pensamento vai à contramão do que foi exposto anteriormente. Deste modo, o educador desconsidera o exercício adicional que a criança é obrigada a fazer ao se defrontar com o dialeto de prestígio e como isto implica no seu fracasso escolar. O fato torna-se preocupante na medida em que esta é uma opinião de quem tem conhecimento do processo de violência simbólica, mas não percebe que, ao negá-lo, está justamente aplicando-o.
Ao debatermos sobre a violência simbólica e suas implicações na educação, temos a sensação de que é um processo irreversível e de que nada podemos fazer em relação a isto. Porém o fato de saber que somos, ao mesmo tempo, agentes e vítimas deste tipo de violência é o primeiro passo para começarmos a combatê-la: a criança, ao chegar à escola, deve encontrar no professor um aliado que está ali não só para ensinar, como também para escutar, renovar suas idéias e aprender com cada aluno. O professor que busca não cometer a violência simbólica deve constantemente trocar de papel com seus alunos, desfazendo aos poucos a imagem autoritária que arbitrariamente tornou-se intrínseca a essa profissão; quanto ao conteúdo a ser ensinado, o professor deve ser flexível para trabalhar com diferentes realidades. Um professor que leciona nas escolas de periferia tem que buscar exemplos coerentes com aquele cotidiano específico, valorizando a cultura local. Para realizar essa tarefa, um caminho seria escutar os alunos, pedindo-lhe exemplos e realizando debates; concomitantemente, as chamadas "minorias", como o negro, o índio e a mulher, devem sair da condição de gueto: a cultura negra e indígena devem ser trazidas para o seu lugar real, ou seja, no nosso cotidiano, na nossa linguagem, nos nossos costumes e tradições, buscando o dia em que essa diferenciação tornar-se-á redundante e desnecessária, uma vez que essas culturas estarão naturalizadas à cultura brasileira. O papel da mulher na história mundial e brasileira, bem como a violência física, psicológica e simbólica que sofreram e absurdamente ainda sofrem, devem ser incessantemente discutidos junto aos alunos, pondo às claras o machismo disfarçado de nossa cultura e, aos poucos, eliminando-o.
Uma boa interação entre professor e alunos é fundamental na superação do processo de Violência Simbólica na Escola.Uma educação escolar, que leva em consideração aspectos descritos acima, proporciona ao aluno o discernimento necessário para lidar com o que recebe diariamente da televisão, do cinema e da internet. A criança deixa de ser um emissor passivo, tornando-se um agente crítico frente às informações bombardeadas incessantemente pela mídia. Assim, a escola poderá finalmente cumprir sua função de formar cidadãos preparados para transcender o determinismo social e cultural do processo de violência simbólica, construindo uma sociedade cada vez mais livre e igualitária.

* artigo originalmente publicado na Revista Eletrônica de Ciências http://www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_20/violenciasimbolo.html, julho/2003

terça-feira, maio 27, 2008


Liberdade e equipe

Discorrer sobre o tema liberdade sempre me fascinou. E agora que passo a maior parte do tempo num local onde a falta dela faz parte do cotidiano de muitos, não consigo deixar de pensar sobre a condição de ser livre.
No início do meu curso de psicologia, entrei em conflito ao constatar que segundo algumas linhas de pensamento, a liberdade é ilusória. De forma bastante simplista: para os comportamentalistas, somos determinados pelo ambiente – toda ação é condicionada; para a psicanálise, também não somos livres, pois os desejos inconscientes conduzem o nosso agir. Mas para o meu contentamento e alívio, conheci um pouco da filosofia de Sartre: a liberdade não só existe, como também é uma condição humana. Somos livres para escolher. Porém, esta liberdade nos torna responsáveis não só pelo que nos tornamos: ao escolher que tipo de indivíduo queremos ser, estamos traçando um projeto de humanidade (ou para a humanidade). Em outras palavras: estamos escolhendo que tipo de humanidade desejamos construir.
Trabalhar numa instituição, onde há pessoas com diferentes anseios, é conflitante: as escolhas e/ou postura profissional de cada um, não raro, interfere em todo contexto profissional. Pois quando um profissional escolhe para si qual o papel que ele deseja desempenhar, ele também está elegendo o lugar que deseja trabalhar, ou seja, ele está construindo a instituição/serviço por ela prestado. Assim, quando temos concepções distintas de nossa função e/ou da função da instituição como um todo, é difícil se concretizar um projeto unificado.
Quando trabalhamos em equipe, a busca pela liberdade deve ser feita em nome do bem comum. A liberdade e o altruísmo devem caminhar juntos. É preciso renunciar às escolhas pessoais, às vaidades e ao comodismo. É preciso ser livre o suficiente para não se deixar levar por anseios egoístas, como status e reconhecimento social. No trabalho em equipe, é livre aquele que mesmo diante de inúmeros obstáculos nunca perde de vista a imagem da instituição que sonha construir.

quarta-feira, maio 14, 2008


Antes de tudo, adolescentes
A liberdade é e sempre foi a liberdade dos que discordam (Rosa Luxemburgo)

A busca pela liberdade é uma das características da adolescência. O adolescente necessita diferenciar-se da figura paterna e materna para sentir-se livre, questionando o que lhe foi transmitido até então. É próprio dele a não aceitação passiva de regras impostas pelos mais velhos...
Quando um jovem comete um ato infracional grave e de proporções midiáticas, a população, levada por notícias sensacionalistas, indigna-se e pede a redução da maioridade penal. Porém, “crimes hediondos” praticados por adolescentes não são corriqueiros. Também é comum ouvirmos que passar três anos numa instituição onde há escola e outras atividades pedagógicas, além de ser um privilégio, é muito pouco tempo para um adolescente autor de um homicídio. Mas quem pensa desta forma, certamente não vê um adolescente e sim um malfeitor, o que é de certo modo inteligível: se já é difícil para um adulto compreender o menino que é seu filho ou aluno ou vizinho, imaginem o que é para este mesmo adulto entender um jovem que cometeu um ato infracional equiparável a um crime...
Embora o desejo de muitos seja julgar os adolescentes em conflitos com a lei tal como adultos criminosos, é preciso que deixemos de olhar o menino como se ele fosse o ato infracional cometido: antes de tudo ele é uma pessoa em fase de desenvolvimento e, sendo assim, sua recuperação é possível. Além disso, o adolescente, ao ser internado, já está sancionado. Pensem o que significa para um menino de 14, 15 ou 16 anos, por exemplo, estar privado de sua liberdade. Imaginem o que é ser impedido de questionar as normas e seguir com disciplina os horários de todas as atividades, inclusive dormir e alimentar-se. Quem não tem um filho adolescente, tente lembrar da própria adolescência. Façam um exercício de compaixão e coloquem-se no lugar destes garotos. Esqueçam, por um momento, que eles estão internados por transgredirem a lei. Se alcançarem tal feito, perceberão que é extremamente sofrível para qualquer adolescente não poder ser livre, seja por um mês, seja por três anos.

sexta-feira, maio 02, 2008


Recesso

Mudanças exigem um período de adaptação. Eu estava acostumada a escrever altas horas da madrugada, rodeada por muita fumaça. Foi assim desde o princípio. Não havia limites, não havia o despertador pela manhã...
Agora meu cotidiano é outro. Estou em transição. Não tenho meu canto ainda. Cigarros longe do computador. Durmo cedo. É impossível no momento estar só para escrever. Aconselham-me a usar o papel. Mas já não sei. A tela e o teclado inspiram-me. Preciso de um ritual.
Sinto falta de quando dormir não era preocupação. Escrever era um deleite, mesmo quando eu deixava para a última hora (há três semanas não envio um texto para o jornal). É como se faltasse uma parte de mim. Temo tornar-me uma operária. Trabalhar e dormir. Eu preciso de mais!
Porém, sei que agora terei muito para contar. Só preciso de um quarto, um computador e uma boa noite de sono.
Eu voltarei.

sexta-feira, abril 18, 2008

Je te defie de m'aimer

Sai em busca do futuro. E neste presente ausente encontrei o passado. Estou costurando o passado... Descobri que minha natureza é ser livre e querer subvertê-la significa minha paulatina destruição. Quero ser livre, quero amores platônicos apenas. Quero fantasiar... Querro amar o mundo! Todo o mundo! Chegou a hora de amar a mim mesma. Chega de paixões delirantes! Deixarei a Terra do Nunca...Brindarei à Sala de Jantar, mas meu espírito continuará intacto. Gosto do que sou. Gosto de acreditar no outro. Se ele me seduz, ilude-me, ludibria-me e me engana não sou eu quem está perdendo... Continuarei vivendo profundamente, mas não mais na vida de outro alguém. Viverei profundamente a minha vida! Farei planos, terei sonhos que dependerão apenas de mim. Jogar-me-ei no mundo. Ele me conduzirá... Não me submeterei a caprichos de ninguém. Não renunciarei a quem sou.
Pensei ter me perdido quando na realidade me encontrava.

(semana atípica, texto atípico)

quinta-feira, abril 10, 2008

Deixe vir a tempestade

Li parcialmente uma reportagem que criticava o abuso de antidepressivos. Ultimamente, sentir-se triste tem virado sinônimo de depressão. E para evitar o sofrimento, recorre-se a um medicamento (De forma alguma estou querendo afirmar que médicos psiquiatras receitam antidepressivos indiscriminadamente. Infelizmente ainda é fácil obter tais remédios sem prescrição médica). Evita-se o pesar e almeja-se uma felicidade constante, o que é humanamente é impossível.
É certo que a tristeza não é desejável. Mas no geral, amadurecemos depois de passarmos por alguma privação. E como bem lembrou a reportagem, Van Gogh, Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Friedrich Nietzsche entre muitos outros grandes nomes produziram seus maiores feitos em períodos de bastaste sofrimento. O que seria de nós se tais gênios não tivessem deixado aflorar a tristeza?
Acredito que exista uma pressão de todos os lados para que sejamos felizes. Os comerciais publicitários nos “ensinam” o caminho do sucesso, da alegria, do bem-estar. Nossos amigos e familiares, naturalmente, também nos querem ver sorrindo e de bem com a vida. No entanto, há certo pânico com relação à tristeza: ela vem se tornando um mal inconcebível. Ficar triste é quase um delito.
Temos medo de sofrer. Tememos logicamente porque não é agradável, mas também porque sabemos que é penoso lidar com alguém que não está bem: a tristeza pode levar à solidão. Algumas pessoas realmente conseguem evitar o sofrimento, mas o fazem ao não arriscar, ao se acomodarem num viver que não traz amarguras, mas também não traz crescimento. Outras tentam fugir da tristeza quando ela já se instalou o que, comumente, além do sofrimento, gera ansiedade.
Não é de se espantar que os casos de depressão aumentem enquanto a “ditadura da felicidade” se consolida. A obrigação impositiva de que devemos ser felizes sempre é absolutamente desumana. A tristeza é tão natural qualquer outro sentimento. Vivenciá-la com culpa maximiza a possibilidade de que ela se intensifique e realmente se transforme numa depressão...
A felicidade só existe comparada à tristeza. Estamos nos esquecendo disso.

quinta-feira, abril 03, 2008

Do avesso

Acredito que uma das melhores sensações seja a chamada “paz de espírito”. É extremante desconfortável estar em conflito com alguém. Sentir raiva, mágoa, ódio ou rancor deixa-nos amargurados. Por outro lado, saber que uma atitude, ainda que não intencional, provocou o sofrimento alheio deveria ser também bastante desagradável. Digo “deveria” porque é fácil reclamar do quanto fomos maltratados, mas quando somos levados a avaliar o quanto a nossa ação feriu o outro, minimizamos nossa responsabilidade ou pior: algumas pessoas simplesmente não se importam.
Fico estarrecida com pessoas que sentem prazer diante do sofrimento alheio. Gente assim não suporta que o outro se sobressaia. Ignora os grandes feitos da pessoa invejada e agem venenosamente. Espera um deslize e dá o bote. E fazem isso sem culpa, sem remorso. Eu fico me perguntando como alguém assim consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente...
Para minha infelicidade, percebo que minha indignação vem diminuindo. Conversando com uma amiga que foi passada para trás por uma colega de trabalho, eu falei: “o mundo está cheio de pessoas assim”. Obviamente eu senti muito por ela, mas o que ela me contou não me surpreendeu... Parece que o mundo, sobretudo o mercado de trabalho, não suporta mais sentimentos como compaixão: sofrer pelo outro está se tornando sinônimo de fraqueza.
Porém, eu me nego a responsabilizar o capitalismo ou a competitividade gerada por ele pela falta de humanidade. Afinal, somos nós quem constrói as relações, sejam elas de trabalho ou não. Se há algo errado, somente nós somos capazes de mudar. Mas normalmente nos acomodamos e não raramente divertimo-nos com o infortúnio alheio. Enquanto não atinge diretamente a nós ou a nossa família, comportamo-nos como meros expectadores e preferimos ignorar nossa cumplicidade.
Eu não imagino como seja viver sabendo que foi responsável pela destruição da vida de alguém. Ter “paz de espírito” para mim é crucial. Quando não me sinto assim, fico paralisada. Quem provoca um grande sofrimento, causa não só os danos intrínsecos ao ato, mas também gera no outro um sentimento de ódio que talvez jamais se dissipe.

quinta-feira, março 27, 2008


Dia de futebol

A decepcionante atuação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2006 e a lastimável campanha do Corinthians no último Brasileirão desmotivaram-me a assistir a partidas de futebol. Porém, sendo brasileira e tendo um pai que é apaixonado por futebol é difícil se distanciar totalmente deste esporte: quando vou jogar vôlei, o Campeonato Paulista é assunto corriqueiro e, na sala de minha casa, é difícil não encontrar a TV sintonizada num jogo ou num programa esportivo. Assim, mesmo sem muito esforço, mantive-me um pouco informada, mas não o suficiente...
Somente às 16h da última quarta, eu soube pelo meu pai que a Seleção faria um jogo festivo contra a Suécia dali a uma hora. Quando ele me informou, indaguei um tanto surpresa se era mesmo a seleção principal (há um tempo, um jogo assim não teria me passado despercebido e eu conheceria a escalação: tantos dos titulares como dos reservas). Liguei a TV quando a bola já estava para rolar, ou seja, não vi os nomes dos jogadores em campo. Para minha satisfação, nenhuns deles eram estranhos a mim. E confesso que fiquei feliz ao constatar que Ronaldinho Gaúcho e Kaká não estavam lá (ainda não engoli a atuação medíocre de ambos em 2006).
Achei o primeiro tempo bastante sonolento e Diego, em minha opinião, foi o melhor em campo. (Em tempo: desculpem-me os são-paulinos, mas pelo futebol apresentado quarta Richarlyson está longe de ser um lateral merecedor de um lugar na Seleção). Mas eu queria ver mesmo Alexandre Pato, o menino de 18 anos, goleador do Milan, jogar pelo Brasil. Estreou e brilhou: aquele golaço me fez sentir paixão pelo futebol novamente!
Quando eu achei que meu dia de futebol estava encerrado, minha irmã me contou que o Corinthians enfrentaria o Santos logo mais (e eu não sabia!). Então me acomodei para ver uma partida repleta de lances emocionantes (numa quantidade bem maior que a do jogo da Seleção). Seria perfeito se o árbitro não quisesse aparecer para decidir a partida (até o Pelé disse que o santista Kléber Pereira cometeu falta). De início, fiquei desanimada mais uma vez com futebol, mas bastou eu me lembrar da “arte” de Pato para perceber que ainda é bem gostoso torcer e gritar “goooooooooool”.

quinta-feira, março 20, 2008


Vazios

Era o fim. A partir daquele instante a vida dele perdeu todo sentido. Seu abatimento transpunha sua alma: tomava-lhe o corpo todo. Não era só a uma grande paixão que ele estava dizendo adeus. Era a todo um projeto de vida. Era o adeus à sua escolha que embora tenha sido a mais arriscada, foi talvez a única que ele fizera sem titubear.
Ele realmente a amara? Esta pergunta o atormentava dia após dia. Ele não sabia. Ele tentava se convencer que não passara de uma paixão. (Dizem que o cupido usa uma flecha porque ela é capaz de nos cegar). Ele se esforçava para acreditar que esteve cego e ludibriado pela paixão. Mas ele não deixava de pensar nela, ora com carinho, ora com rancor, ora com amor. Ele animava-se em esquecê-la, despojá-la de sua vida, mas seus sonhos traiam sua vontade.
Foi ele quem resolveu terminar. No entanto, ele jamais se sentiu como se o tivesse feito: achava que o fim se dera no momento em que ele deixou de se sentir amado. Ela negava que seu amor tivesse mudado. Para ele não era uma questão de palavras e sim de sensações, percepções, afetos. Foi penoso falar a ela: os dias que antecederam o fim foram atordoantes: ele mal dormia. Só decidiu quando se deu conta que ele ocupava muito pouco da vida dela, enquanto ela tomava-lhe cada segundo do seu cotidiano. Ele sabia que seu viver deixara de ser saudável e só tendia a piorar...
Nos primeiros instantes, sentiu uma espécie de alívio: não sofreria mais, não precisaria mais esperar por um carinho, não seria mais frustrado pelas as atitudes dela. Esta sensação durou pouco. Logo se instalou o vazio. O vazio de não tê-la, o vazio de não ter alguém a quem poderia chamar de “meu amor”. E era neste estado que, mesmo após dois meses ele se encontrava. Ele sabia que não seria sempre assim. Mas o tempo parecia cruelmente ter parado... Inevitavelmente, lembrava-se do início: os planos, a empolgação. Recusava-se a aceitar que ela era apenas aquela pessoa distante do final: não queria sentir-se iludido, não queria ter mágoas de sua outrora amada.
Ele jamais a compreendeu por inteiro. Ela nunca se deixou revelar. E ele acabou se tornando parecido com ela: em tempo nenhum se permitiu amar novamente.

quinta-feira, março 13, 2008

Deixe a dor falar mais alto! *

Talvez uma das maiores dificuldades do ser humano seja lidar com a dor alheia. Ver alguém sofrendo nos emociona e nos mobiliza, mas também pode nos dar a sensação de que nada podemos fazer para ajudar. No entanto, mesmo que sejamos incapazes de cessar o sofrimento do outro, acredito que amenizá-la, nem que seja por alguns instantes, é sempre possível.
Quando vemos uma pessoa querida em estado de desespero, comumente queremos vê-la reagir. Dói ver alguém que apreciamos numa má condição, e mais: o sofrimento alheio interfere no nosso humor (sim, creio que somos “egoístas” o suficiente para pensarmos no nosso bem-estar, ainda que não tenhamos plena consciência disso). Assim, geralmente, nossa primeira ação é aconselhá-la, apresentando-lhe alternativas para suas dúvidas ou relatando nossas próprias experiências.
Certamente, alguns conselhos são bem vindos, pois através deles pode surgir uma saída que a pessoa em estado de sofrimento não consegue encontrar. No entanto, esquecemo-nos que talvez aquele que está à nossa frente, desesperado e melancólico, necessita, sobretudo, falar. E muitas vezes a melhor forma de aliviar sua dor seja escutá-lo com atenção e acolhê-lo com nosso olhar.
É aparentemente fácil e simples ouvir. Porém, praticamos pouco. Talvez a pressa cotidiana, talvez os questionamentos que as sofridas palavras alheias nos levam a fazer sobre nós mesmos e/ou mesmo nosso ímpeto de resolver rapidamente a situação nos tornam maus ouvintes. Não sei afirmar com certeza o motivo. Mas sei que quando aconselhamos sem ouvir, podemos correr o risco de menosprezar a dor do outro. Podemos levá-lo a se sentir mal e culpado, ao dizer, por exemplo: “você tem uma vida confortável, não tem porque sofrer!”.
É preciso saber respeitar o sofrimento alheio, escutá-lo sem julgamento prévio. Talvez não compreendamos o motivo para tanta angústia (lembro-me de Shakespeare: “Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”), mas o que importa é que o outro sinta que a dor dele é válida e que, apesar dela, ele continua querido.
*Dedico este texto àqueles meus amigos que deixaram a minha dor gritar bem alto e me acolheram, cada qual a sua maneira, durante as últimas semanas: Ana Luisa, Cleiton, Guilherme (San), Marcelo(Calunga), Thiago (Ser Humano), Henrique, Ny, Elieni, Keké, Mirian, Luiz Augusto, Danielli, Drausio, Eleusa.

quinta-feira, março 06, 2008

Doa a quem doer!

Em 1975, a Associação Médica Mundial, definiu a tortura como “o sofrimento físico ou mental provocado de forma deliberada, sistemática ou arbitrária por uma ou mais pessoas, que age sozinha ou sob as ordens de qualquer autoridade, para forçar uma outra pessoa a entregar informações, obrigar a confessar, ou para qualquer outra razão” (Declaração de Tóquio, 29ªAssembléia Médica Mundial). Embora falar de tortura nos remeta a crimes contra prisioneiros de guerra e aos anos de chumbo das ditaduras latino-americanas sua prática ainda é bastante usual.
A fim de reagir a esta violência, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ligada à Presidência da República pretende criar comitês de luta contra a tortura em nível nacional: ativistas de direitos humanos, do governo e de organizações não governamentais empenhados em combater não só a tortura física como também a psicológica, passarão a monitorar locais de detenção.
Eu não sei até que ponto sou inocente demais, mas até há pouco tempo eu acreditava que a tortura era praticada por aqueles policiais que tem uma vida estressante, como aqueles que trabalham nas favelas atrás de traficantes de drogas (tal como retratou o filme “Tropa de Elite”). E mesmo assim já achava um absurdo o fato da mulher de um traficante ser torturada para entregar o marido. No entanto, recentemente “descobri” que não tão longe como eu supunha, detentos apanham sistematicamente para que confessem todos os crimes praticados (as pancadas não deixam lesões, pois são feitas em locais do corpo estrategicamente calculadas pelos policiais). Além do mais, a tortura psicológica é infringida àqueles que estão ainda na condição de interrogado.
Penso que já passou do momento do governo por em prática o monitoramento dos locais de detenção (teoricamente, as visitas às instituições serão realizadas por um perito do Ministério Público e por profissionais qualificados para identificar a tortura, como médicos, psicólogos, arquitetos, psicólogos e assistentes sociais.). Fiquei atônita quando me disseram que este crime é uma prática comum e institucionalizada. Mas acho inaceitável. Se há uma Lei, que seja cumprida! Se ela é justa ou não, que sejam usados os meios lícitos para modificá-la!

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Antes que eu desista

Assisti inúmeras vezes ao filme “Perfume de Mulher”. Não me canso. Além da estonteante atuação de Al Pacino (dá uma imensa vontade de dançar um tango com ele) acompanhada pela atuação também marcante de Chris O’Donnell, a história me comove ao tratar do tema integridade. O que significa ser íntegro? Significa ser justo, incorruptível, honesto, imparcial. Olhando para o mundo hoje, parece-me raro encontrar indivíduos qualificados como tal.
Em Brasília, no Planalto Central, por exemplo, se houvesse uma medida intitulada “densidade de integridade” (por analogia à densidade demográfica) seria baixíssima. Mas não podemos esquecer que os políticos são eleitos por nós... E desta forma, cabe aqui a seguinte provocação: até que ponto eles representam nossos interesses? Não serão eles reflexo de toda a sociedade?
Ser íntegro não é uma tarefa simples. Vivemos num país onde trapacear para se dar bem não é uma atitude necessariamente condenável - a retidão moral não é incentivada na nossa cultura. E se deixarmos a hipocrisia de lado, perceberemos que muitas vezes aprovamos a esperteza (no sentido pejorativo do termo) alheia: não é à toa que novelas e Big Brother (lembram do Alemão?) dão tanta audiência...E mais, se olharmos para nosso próprio umbigo, quantos de nós poderá afirmar com convicção que está ileso totalmente de ter cometido uma atitude injusta? Quantos ao eleger um prefeito ou vereador não o fazem em defesa de interesses pessoais? E quantos filhos não reproduzem a as atitudes desonestas dos pais que os ensinam que status e riqueza são o que realmente importa? É doloroso sentir que para sobreviver e ser valorizado socialmente talvez seja mesmo necessário não ser radicalmente íntegro...
Mas quando eu assisto ao “Perfume de Mulher” eu me encho de esperança. Esperança com relação a mim mesma traduzida numa vontade de buscar sempre o caminho da integridade. Tropeços todos nós cometemos e crescer como pessoa é um realizar constante. Basta não desistir, basta não ceder aos benefícios imediatos. Por tudo isso não esqueço a frase proferida com fervor pelo personagem de Al Pacino (tenente-coronel Slade): “não há nada pior que um espírito amputado, não há prótese para isso!”

quinta-feira, fevereiro 21, 2008


O sonho

Vou contar uma história, uma história sobre um sonho que jamais irei me esquecer. Vamos a ele.
Eu estava chateada com minha vida, achava que faltava brilho, emoção, paixão. De repente, andando pela rua esbarrei-me em algo que não sabia definir se era uma pessoa ou um anjo, mas quando olhei para trás, ele já não estava lá. Assustei mas continuei andando. Sem rumo. E de súbito o “anjo-pessoa” apareceu na minha frente. Olhou-me fixamente. Parecia desvendar minha alma, descobrir meus desejos e me conhecer desde sempre. Percebi que ele era o meu verdadeiro amor! Não tinha como não ser. Eu sentia! Ele nem precisou dizer nada para eu saber. Foi instantâneo! E quando ele falou, ele não falou: ele recitou poesias, as mais doces palavras que eu ouvira até então! Ficamos extasiados! E sem pedir, ele me roubou um beijo. Eu estava próxima ao céu. Foi o beijo mais terno que recebi!
Fizemos muitas promessas, juramos que nunca nos separaríamos. Mas havia um único problema. Ele era um anjo. E como anjo teria que ir embora. Fiquei aflita. Perguntei a ele se não haveria uma forma dele se tornar humano. Ele disse que sim, mas levaria tempo. Ele tinha muitas missões ainda para cumprir e só depois poderia pedir a Deus para torná-lo uma pessoa real. Eu disse que esperaria o tempo que precisasse, pois jamais havia sentido um amor assim. E ele disse que apareceria quando pudesse, pois era impossível ficar tempo demais assim afastado. Ele me visitaria às vezes.
Ele se foi. Fiquei com saudade, mas não me aborreci. Tinha ele no meu coração. Quando nos reencontramos senti que todo seu amor ainda estava ali. Mas com o tempo, eu comecei a sentir angústia. Sentia que ia perdê-lo a qualquer momento. Ele continuou a me visitar, mas vivia preocupado com suas obrigações e não era mais tão afetuoso como antes. Eu perguntava o que estava acontecendo, ele me dizia que nada havia mudado. Porém meu coração não ficava tranqüilo, passei a sofrer.
Então, finalmente, percebi que eu havia acordado há tempos, que meu sonho se acabara na primeira vez que meu anjo se foi. Eu não conseguia suportar a não possibilidade de um amor assim. Eu não queria acreditar que anjos querem voar!

quinta-feira, fevereiro 14, 2008


Existo, logo mudo!

A cada dia que vivo, vejo que tenho muito a aprender. Surpreendo-me, pois, embora eu nunca tenha deixado se considerar a vida um constante aprendizado, havia aspectos do meu ser que eu julgava não necessitar de mais transformações. Era apenas ilusão: percebi que tenho a tendência de fugir quando a situação exige-me mudar. E com isso notei como é fácil desistir de um objetivo e culpar as circunstâncias por isso. É cômodo e menos doloroso.
Ninguém, gozando de plena sanidade mental, deseja intencionalmente sofrer. E assim recusamos aquilo que nos traz sofrimento. É uma reação natural. No entanto, toda transformação relevante demanda o questionamento de nossas atitudes e valores. E é inevitável que isto traga alguma forma de tormento. E muitas vezes recuamos diante da possibilidade de sofrer, pois quando aspiramos ao bem-estar imediato, o medo cega-nos quanto aos benefícios posteriores.
O curioso, na minha vida, é que o fato de eu ter enfrentado problemas parecidos no passado, deu-me a sensação que eu havia mudado. Mudanças aconteceram sim, mas não profundamente como eu pensara... O ideal seria que toda situação adversa que passamos, tornasse-nos mais habilidosos para resolver questões futuras. Não é o que acontece sempre. Muitas vezes um acontecimento atordoante, ainda que superado, deixa-nos receosos ou arredios, o que nos impede de ver que a situação é apenas aparentemente semelhante. E assim, tornar-se mais fácil desistir antes de tentar.
Enquanto eu escrevo, penso que talvez algo em mim realmente tenha se transformado. Pois hoje, diferentemente de outrora, não só percebo minhas falhas: aceito que preciso mudar. Eu desejo me aperfeiçoar como ser humano. Aprender com o passado em vez de usá-lo como barreira dos meus sonhos. Posso sofrer no início, mas sei que a cada pequena conquista me sentirei mais senhora do meu próprio destino.
Enxergar as amarras do passado e vislumbrar um agir independente dele, penso ser um dos primeiros passos para a conquista da genuína liberdade.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008


Nós e os outros

Em cidades do interior como Barretos vestir-se de forma distinta da maioria é ousadia de poucos. Aqui as pessoas sentem-se mais à vontade quando estão parecidas com as outras, trajando o que está na moda. Já em cidades como São Paulo, ser diferente é a maneira que muitos procuram para se destacar na multidão.
Em São Paulo, somos apenas mais um. Nas ruas, no metrô, nos ônibus, não importa de quem você é filho e nem seu sobrenome. Se por um lado ser um anônimo provoca um certo desamparo, por outro a liberdade perante o olhar do outro é maior: o paulistano está acostumado a ver de tudo...Mas estive na capital no carnaval e, ao observar, sobretudo, os jovens, veio-me a indagação: até que ponto são livres?
De fato, em São Paulo, as pessoas se vestem de maneira bastante diversificada. Entre os jovens, há os góticos, os clubbers, os hippies, os metaleiros etc. No entanto, ao mesmo tempo em que demonstram ser livres para expressar suas preferências, diferenciam-se cada vez mais em busca do olhar do outro. Ou seja, a condição de ser mais um na multidão gera, concomitantemente, a liberdade diante do outro e o desejo de ser notado pelo outro.
É curioso notar que o julgamento do outro é determinante tanto numa cidade como Barretos quanto em São Paulo. No entanto, o efeito é inverso: aqui buscamos uma aparência semelhante. Já os paulistanos são levados a se diferenciar. Aqui sentimos falta de liberdade devido à censura do outro. Em São Paulo, o excesso de liberdade gera, ironicamente, o sentir-se aprisionado pela necessidade de se destacar a fim de obter a atenção do outro.
Ainda que alguns afirmem categoricamente não se importar com quê os outros pensam, acredito que é praticamente impossível se desvencilhar completamente do julgamento alheio. Ainda que para os mais jovens o olhar do outro seja mais determinante, na maturidade continuamos dependentes dele. Mesmo aquele que busca o total isolamento, espera do outro o reconhecimento de seu ato. É da natureza humana, pois somos “o intervalo entre o nosso desejo e aquilo que o desejo dos outros fizeram de nós” (Alberto Caeiro).

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Pensamento livre (?)

Ter opiniões e valores (éticos, morais e religiosos) é uma necessidade natural do ser humano. Integra o processo de constituição de sua personalidade. No entanto, quando as convicções são tomadas como verdade absoluta, o radicalismo toma o lugar da ponderação.
Recentemente li um artigo (de quem não me lembro o nome), na Folha de S. Paulo, que criticava a postura de acadêmicos europeus frente à visita do Papa Bento XVI à Universidade de Roma, da qual são docentes. Os doutores, sob alegação de que o Papa é o “artesão” do atraso cultural e contrário ao pensamento livre, vetaram a sua presença e conseqüente palestra que seria proferida por ele... Se Bento XVI vem se mostrando demasiadamente conservador, os detentores da ciência foram ainda mais radicais, pois qualquer universidade é um espaço para o debate de idéias e contínua construção do saber: rechaçar este processo significa macular seu espírito.

O fanatismo nunca gerou bons frutos: fascismo, nazismo, apartheid... O século passado está manchado devido às atrocidades em nome de verdades consideradas inquestionáveis por aqueles que as defendiam. Mas sabe-se bem que tais absurdos não se restringem ao século XX: barbaridades cometidas na tentativa de impor uma crença (religiosa, política e/ou étnica), foram comuns na história de nossa civilização (por exemplo, a Guerra Santa e a Inquisição).

Diante de tantos modelos negativos, não seria esperado que condutas radicais fossem cada vez mais incomuns? Infelizmente não é o que se vê: ainda que a postura dos acadêmicos romanos não tenha provocado nenhuma catástrofe, é preocupante, pois de pessoas com mais conhecimento espera-se atitudes mais sensatas. No entanto, não precisamos ir longe para enxergamos as conseqüências realmente nefastas do fanatismo: assassinatos cometidos por torcedores de clubes futebolísticos e espancamentos e mortes provocadas por jovens neonazistas são acontecimentos freqüentes no nosso país.

Dizem que a certeza é irmã da loucura. O curioso é que apreciamos mais as certezas do que as dúvidas. A certeza nos dá segurança. A dúvida nos atormenta. Mas defronte de tantos absurdos, prefiro nada afirmar...

quinta-feira, janeiro 24, 2008


Nos olhos de quem vê

Dias atrás, assisti pela primeira vez a um programa no canal Futura chamado “Não é o que parece”. Cada semana o programa aborda um tema e nesta ocasião o assunto era “Beleza”. De forma bastante dinâmica e recheada de depoimentos, tanto de pessoas comuns quanto de especialistas, foi discutido se o que é considerado belo depende do julgamento de cada pessoa ou se existe realmente um modelo de beleza universal.
Entre tantos depoimentos, o de uma garota de apenas 11 anos chamou bastante a minha atenção. Ela mostrou seu trabalho de escola que, através de ilustrações feitas por ela mesma, mostrava que o padrão “Barbie” é uma ilusão. Enquanto exibia seus desenhos, ela dizia que ninguém jamais será como a Barbie e que fantasiar é necessário, mas que não se deve esquecer a realidade. Outra colocação que achei bastante relevante foi a de uma psicóloga. Segundo ela, o padrão de beleza feminina atual é o da top model Gisele Bündchen e poucas pessoas conseguem atingi-lo. Ela enfatiza que é preciso modificar este padrão, pois não alcançá-lo tem gerado muito sofrimento: um padrão de beleza deveria abranger a maioria e não uma minoria.
Quem determina um padrão de beleza? Na Renascença, o exemplo de beleza era totalmente diferente. De forma bastante humorada, o programa mostrou que as mulheres retratadas naquela época teriam que fazer inúmeras “lipos” e os mais diversos tratamentos para se enquadrarem no padrão atual. Mas não é preciso voltar tanto tempo assim: em vinte anos, o modelo de beleza se modificou bastante. É difícil dizer se é a maioria que, de forma espontânea, elege um padrão, ou seja, se há um consenso e por isto este padrão se sobressai ou se este padrão é imposto pela mídia, incessantemente, de maneira a se tornar temporariamente universal. É mais provável que seja uma via de mão dupla: a mídia apresenta a “bola da vez” e testa a adesão do grande público. Quando a maioria aprova, surge um novo modelo.
Mas ainda que apreciemos as beldades da televisão, do cinema e das passarelas, nossas escolhas pessoais, na maioria das vezes, não obedecem a estes critérios: o que nós achamos belo é subjetivo e, no mundo real, a beleza interior é deveras importante!

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Petrificando

Às vezes é penoso me sensibilizar com o que acontece ao me redor. Eu já não assisto TV para não ficar sobrecarregada (não que a TV me afete tanto, mas fico imaginando milhões de crianças assistindo a novela das “oito” e, agora, o Big Brother...). No entanto, vejo preconceito, intolerância e egoísmo no dia-dia. Basta acordar.
Não sou o tipo de pessoa que costuma discutir ao presenciar uma injustiça. Já fui assim e percebi que não vale a pena: algumas pessoas consideram as próprias verdades absolutas e indagá-las é como socar uma parede de concreto... Além disso, questionar o que já é um hábito pode te tornar mal quisto no grupo. Mas não posso tapar meus ouvidos. Escuto disparates que, mesmo não sendo dirigidos a mim, doem. Sartre, um filósofo francês, dizia que ao escolher o tipo de ser humano que você deseja ser, você escolhe a humanidade a qual pertencerá. Deve ser por esta razão que me choco: não é esta a humanidade que escolhi.
Tenho estado serena. Afinal, para que me incomodar enquanto quase ninguém se importa? O ofendido reage como o ofensor. Olho por olho, dente por dente. Porém, se observo atentamente, vejo que o ofendido não tem outra opção: ele cresceu ouvindo exatamente as mesmas asneiras. Devolvê-las à altura foi a forma de se defender aprendida por ele. É compreensível. Mas percebo que quando o ofendido encontra alguém que, por outra particularidade, pode ser mais destratado que ele, ele age como seus ofensores, ainda que este outro alguém não tenha lhe ofendido. E todos aprovam, todos riem. E eu ameaço um sorriso a contragosto. Eu não falo mais. Penso e sinto.
Pode ser apenas brincadeira. Posso estar exagerando. Mas ao me colocar no lugar do ofendido, sinto dor. O que me preocupa é que este desconforto tem passado cada vez mais rápido. Sinto-me pressionada a fazer parte da “diversão”. Confesso que às vezes tento, mas, para mim, é inadmissível brincar pejorativamente com alguém sabendo que no fundo aquilo lhe causa sofrimento. Não sou santa, já fiz algo do tipo e me arrependi.
Temo perder meu coração. Temo que esta humanidade me escolha.

quinta-feira, janeiro 10, 2008


Relação a dois

Ontem eu estava conversando com um amigo através da internet e ele estava se perguntando se o maior problema dos seres humanos são os relacionamentos amorosos.. Idealmente, um relacionamento amoroso nos deveria trazer, sobretudo, contentamento, mas nem tudo são flores.
Às vezes esperamos encontrar a pessoa dos nossos sonhos. Como num passe de mágica, aparece alguém que preenche todos os nossos requisitos. Projetamos nela tudo que desejamos, vemos nela a perfeição. Todos que se apaixonam passam por isso. Com o tempo, a pessoa verdadeira vai aparecendo. Isto pode levar semanas ou anos. Mas um dia não estaremos mais diante de um ideal e sim de alguém de carne e osso. E talvez seja esta a grande encruzilhada dos relacionamentos. Refletimos: amo esta pessoa que está à minha frente, esta pessoa que carrega uma história? Ter esta pessoa ao meu lado significa não mais contemplá-la, é preciso acolher suas fraquezas, é preciso tirá-la do pedestal! Estou disposto a amar?
Muitos casais se acertam, pois muitos vivem juntos por anos. Dividir alegrias, angústias e fazer renúncias aprende-se a dois e pequenos conflitos são inevitáveis. Mas a grande assombração da maioria dos relacionamentos é a infidelidade. Pode ser que há casos que uma traição se justifique, mas depois de feito não importa mais. A questão é: é possível perdoar uma traição? Bom, alguém falaria: depende. Particularmente, eu penso que se a traição não alterar o relacionamento, se a pessoa enganada conseguir aceitar a outra de volta, sem guardar rancor e tendo a confiança que isto não se repetirá, é possível perdoar (mas talvez isto não passe de uma idealização minha, talvez a relação jamais volte a ser a mesma...).
No entanto, existem outras formas de deslealdade. Podemos ser desleal quando dizemos o que não sentimos. Às vezes achamos que sentimos, às vezes não temos certeza mesmo, mas é preferível não dizer caso tenhamos dúvida. A palavra tem um poder imensurável e pode modificar a vida de quem a escuta... Não sei dizer se os relacionamentos amorosos são o nosso maior problema, mas acredito que amar e se permitir ser amado é uma dádiva que não deveríamos menosprezar.

domingo, janeiro 06, 2008


Em família

Cada um vive à sua maneira, mas temos necessidades em comum. Precisamos de uma referência para viver, assim precisamos amar um outro. Precisamos realizar algo que dê sentido à nossa existência, assim precisamos de um sonho. Precisamos trabalhar, precisamos ter amigos... Precisamos, sobretudo, de nossa família!
Outro dia recebi um e-mail que falava sobre o significado da palavra família. Não sei ao certo a veracidade desta informação, mas vale a pena registrar aqui. Família vem do inglês Family, onde cada letra, supostamente, é a abreviação de uma palavra: Father (pai) And(e) Mother(mãe) I (eu) Love (amo) You (vocês)....Este o núcleo familiar. É nossa base. E amor é o que esperamos encontrar entre pais e filhos: não há nada mais lamentável do que uma família onde não há amor.
Mas entendemos como família não apenas os pais: há os avós, irmãos, primos, tios etc. Minha família é bastante numerosa (eu não saberia dizer quantos parentes tenho atualmente e muito menos afirmar conhecer todos eles). Este ano escolhi passar o reveillon na casa de minha madrinha. Nunca tinha ido lá nesta ocasião. Fiquei longe de meus pais, irmãos e sobrinhos, mas em compensação encontrei pessoas que há muito tempo não via: tios-avós e primos de segundo e terceiro graus. E o mais importante: fiz amizade com primas que antes eram apenas parentes praticamente desconhecidos. Não fizemos nada de extraordinário: na noite da virada cantamos no videokê - até quem era contra ligá-lo durante a festa, rendeu-se à cantoria. Foi divertidíssimo: três gerações presentes e todos soltando a voz.
Creio que em toda família é possível encontrar vários tipos de pessoas. Há os rebeldes, os intelectuais, os engraçados, os mal-humorados, os tranqüilos, os agitados, os vegetarianos, os que ingerem bebida alcoólica e os que não o fazem, os que falam muito e os que preferem ser ouvintes, os que são exímios cantores e os extremamente desafinados, os politicamente engajados e os que estão “por fora”. Onde eu estava, havia vários exemplares de cada um destes tipos. E mesmo com toda a diferença, a harmonia prevaleceu.
Por mais amigos que tenhamos, por mais calorosos que sejam, penso que nada se compara à família. Podemos estar distante de algum parente, podemos até não concordamos com suas idéias e atitudes, mas o respeitaremos simplesmente por fazer parte da família e sabemos que, se um dia for preciso, ele nos estenderá a mão. Entre parentes costuma haver um laço invisível aos olhos, mas não ao coração.