Mafalda


quinta-feira, abril 03, 2008

Do avesso

Acredito que uma das melhores sensações seja a chamada “paz de espírito”. É extremante desconfortável estar em conflito com alguém. Sentir raiva, mágoa, ódio ou rancor deixa-nos amargurados. Por outro lado, saber que uma atitude, ainda que não intencional, provocou o sofrimento alheio deveria ser também bastante desagradável. Digo “deveria” porque é fácil reclamar do quanto fomos maltratados, mas quando somos levados a avaliar o quanto a nossa ação feriu o outro, minimizamos nossa responsabilidade ou pior: algumas pessoas simplesmente não se importam.
Fico estarrecida com pessoas que sentem prazer diante do sofrimento alheio. Gente assim não suporta que o outro se sobressaia. Ignora os grandes feitos da pessoa invejada e agem venenosamente. Espera um deslize e dá o bote. E fazem isso sem culpa, sem remorso. Eu fico me perguntando como alguém assim consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente...
Para minha infelicidade, percebo que minha indignação vem diminuindo. Conversando com uma amiga que foi passada para trás por uma colega de trabalho, eu falei: “o mundo está cheio de pessoas assim”. Obviamente eu senti muito por ela, mas o que ela me contou não me surpreendeu... Parece que o mundo, sobretudo o mercado de trabalho, não suporta mais sentimentos como compaixão: sofrer pelo outro está se tornando sinônimo de fraqueza.
Porém, eu me nego a responsabilizar o capitalismo ou a competitividade gerada por ele pela falta de humanidade. Afinal, somos nós quem constrói as relações, sejam elas de trabalho ou não. Se há algo errado, somente nós somos capazes de mudar. Mas normalmente nos acomodamos e não raramente divertimo-nos com o infortúnio alheio. Enquanto não atinge diretamente a nós ou a nossa família, comportamo-nos como meros expectadores e preferimos ignorar nossa cumplicidade.
Eu não imagino como seja viver sabendo que foi responsável pela destruição da vida de alguém. Ter “paz de espírito” para mim é crucial. Quando não me sinto assim, fico paralisada. Quem provoca um grande sofrimento, causa não só os danos intrínsecos ao ato, mas também gera no outro um sentimento de ódio que talvez jamais se dissipe.

3 comentários:

Unknown disse...

Muito bom o texto. Infelizmente é comum essa alienação da responsabilidade individual por "culpa do sistema". Não somos meros títeres do capitalista: Quem o criou e o mantém são pessoas.

Unknown disse...

Correção: Ao invés de "capitalista", "capitalismo".
Ato falho? hehe

blog weblui disse...

Gostei muito deste texto!