Mafalda


quarta-feira, agosto 29, 2007


Ecos de “Aquarela”

Estava dirigindo e ouvindo música quando um trecho de “Aquarela” chamou minha atenção: “Sem pedir licença muda nossa vida/ E depois convida a rir ou chorar...”. Para quem não lembra dos versos anteriores, Toquinho refere-se ao futuro. Em seguida, completa: “Nessa estrada não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe/ Bem ao certo onde vai dar...”. Que a vida é imprevisível, todos sabem. Porém, viver sob esta condição, tranqüilamente, poucos conseguem...
Às vezes estamos bem, nossa vida é como sempre sonhamos e de repente um infortúnio acontece. Não só o que está por vir torna-se sombrio, como também o agora. Ficamos sem horizonte e sem chão. Podemos nos recupera logo, mas no momento em que somos surpreendidos é desesperador...Alguns, mesmo depois de restabelecidos, tornam-se receosos: evitam situações e pessoas desconhecidas. Tentam controlar o futuro a fim de não sofrer como no passado. No entanto, independente da vontade, o novo virá. Podemos fazer o máximo para que a nossa vida fique em nossas mãos como deixar de ter uma vida social após uma decepção... Porém, fugir do sofrimento pode trazer dores ainda maiores, além de nos privar de muitas alegrias.
Assim, acredito que a imprevisibilidade do futuro tornar-se-á angustiante ou não de acordo com as situações desagradáveis anteriormente enfrentadas – o modo de trabalhar o sofrimento refletirá na atitude diante do inesperado. Quem, por medo ou prevenção, prende-se ao passado, acaba estacionando-se lá. Geralmente pensa “está ruim, mas poderia ser pior”. Para sentir-se seguro, resolve que nada fará mudar seu “jeito de ser”, preparando-se para não se atingir por acontecimentos que o leve a repensar sua conduta. Já quem tira proveito do que sofreu (ainda que isto signifique dias de reflexão e noites mal-dormidas), não deixando que o desagrado, por pior que seja, limite o resto de sua vida, continua investindo no presente sem temer o dia de amanhã.
Tudo que vivemos jamais se repetirá: não só o mundo como também nós mudamos a cada segundo. Desfrutar de cada momento, sintonizando-nos de fato com aquilo que estamos fazendo, permite-nos desvencilhar dos aborrecimentos passados e viver plenamente o instante. Se o futuro nos trouxer lágrimas, já saberemos como torná-las passageira.

quinta-feira, agosto 23, 2007


Não se deixe dominar!

Não é de hoje que o ser humano perde-se em vícios. Dentre eles, o tabagismo, o alcoolismo e o abuso de drogas são os mais preocupantes. Felizmente, hoje em dia o dependente é considerado portador de uma doença e não mais alguém sem caráter. No entanto, à medida que a sociedade se modifica, surgem outras formas de dependência, por exemplo: não conseguir se desvencilhar do computador e alimentar-se excessivamente ao passar por qualquer desagrado. Vícios como estes trazem prejuízos visíveis e assim não é difícil perceber que se trata de um problema. Porém, as práticas saudáveis, dependendo da forma como são realizadas, podem também aprisionar o indivíduo, mas, por serem valorizadas socialmente, são aplaudidas e vistas como apropriadas. Tudo que é feito exageradamente é potencialmente prejudicial...
Embora já compreendamos que o trabalho em excesso pode gerar estresse, temos o costume de admirar quem se dedica quase integralmente a seu ofício. Certamente os familiares de uma pessoa que não consegue deixar de trabalhar, queixam-se e exigem mudanças. Mas de nada adianta se a prioridade dela for o status social que o trabalhar demais proporciona: “por que julgarei minha conduta problemática se consigo o que desejo?” – provavelmente é assim que ela pensa. Mas se analisarmos atentamente não seria esta também a justificativa de um dependente de drogas?
Consumir pode tornar-se facilmente um vício, pois desde a mais tenra idade somos impelidos a isso: Ter para Ser é o que a nossa sociedade estimula. Para aqueles de alto poder aquisitivo, o consumismo dificilmente torna-se um grande problema (a não ser que seja desenfreado a ponto de causar danos às finanças familiares). Já entre as pessoas de médio e baixo poder aquisitivo, há os que se alimentam inadequadamente para poder satisfazer a necessidade de comprar uma roupa; outros investem em carros e equipamentos eletrônicos, mas são negligentes com a educação dos filhos. Porém, talvez não sejam consumistas compulsivos e sim “viciados” na idéia de que status é o bem máximo.
O hábito transforma-se em vício quando somos controlados por ele. A partir daí, não importam mais as conseqüências, uma vez que também não nos responsabilizamos por elas. Tornamo-nos vítimas. E perdemos o que acredito ser nossa maior preciosidade: a liberdade.

terça-feira, agosto 14, 2007

Dê valor ao que te faz humano!

É sabido que falhas na comunicação provocam desentendimentos. Ainda assim, insistimos num diálogo precário com familiares e amigos. Apesar de estarmos na era da comunicação e constantemente surgir uma novidade a fim de maximizar as formas de interação, não aprimoramos suficientemente o básico: falar e escutar.
O ato de falar, sobretudo profissionalmente, é bastante valorizado. Conseqüentemente, existem cursos para tornar-se um palestrante de sucesso, um vendedor eficiente etc. No entanto, pouco destas técnicas são úteis no cotidiano, pois relacionamentos profissionais diferem dos pessoais: ser cordial no ambiente de trabalho, dependendo da profissão, é tão importante para se garantir o emprego quanto realizar bem o ofício; além disso, é mais fácil se agradável com aqueles que temos uma relação distante, impessoal.
Falar amistosamente com uma pessoa que nos é querida exige um esforço maior. Muitas vezes nos sentimos atacados e, por acharmos que ela nos conhece bem, deduzimos que ela nos atingiu propositalmente. Então partimos para o contra-ataque, ofendendo-a ou procurando refúgio num silêncio rancoroso...E se, em vez disso, mantivermos a calma? Podemos esclarecer que não gostamos do que foi dito, explicando ao outro que palavras ou gestos, aparentemente banais, deixam-nos desconcertados. Porém, nada disso será válido se empregarmos um tom acusador. É preciso paciência. Às vezes é bom se retirar, deixar para conversar depois (nestes momentos, desenterrar mágoas só trará mais desgostos: pensar em como dialogar visando uma reconciliação pode ser árduo, no entanto, beneficiará a ambos).
Quando um fala, outro escuta? A pergunta seria dispensável se ouvir com atenção não fosse raro hoje em dia. Estamos demasiadamente preocupados em expor idéias, contar as novidades, desabafar etc. Escutar não seria incomum se tivéssemos abertos para conhecer o outro, compreendê-lo. Talvez ele precise apenas de um ouvido acolhedor e quase nenhuma palavra: um olhar ou um sorriso pode ser suficiente. Mas a ânsia de falar nos leva a ignorar a necessidade alheia: apressamo-nos em aconselhar ou discorrer sobre nós mesmos.
Se não acrescentarmos à comunicação prudência e sensibilidade, os cientistas serão obrigados a reavaliar a tese de que a principal diferença entre o ser humano e os outros primatas é a linguagem por nós desenvolvida.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Abracadabra!

Dois gênios do cinema faleceram na semana passada: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Longe de Hollywood, ambos os cineastas inovaram (cada qual à sua maneira) a linguagem cinematográfica e tornaram-se referências para diretores do mundo todo. De Bergman, assisti a alguns filmes e, dentre eles, Saraband é o meu favorito. Já de Antonioni, infelizmente, nenhum: ao ler sobre sua obra, prometi a mim mesma ver Blow Up. Mas por acaso caiu em minhas mãos um filme que à primeira vista não passava de entretenimento: O Grande Truque. Não que seja uma arte como às dos cineastas mortos, mas tem valor, sobretudo, por ensejar uma certeira metáfora sobre a Sétima Arte.
No geral, o filme conta a história de dois mágicos profissionais que se tornam inimigos após uma tragédia. Porém, se olharmos bem de perto (como pede um dos protagonistas), perceberemos que o diretor do filme não inteciona apenas falar de mágica, mas também do próprio ato de fazer cinema: os mágicos são os cineastas e a platéia, nós, amantes da “telona”. Qual é a razão de ser do cinema? Assim como os truques nos iludem, nos levam a ver o logicamente impossível, os filmes, independente do gênero, transportam-nos para uma realidade inventada. Do mesmo modo que nos encantamos com uma mágica, mesmo sabendo que é “armação”, choramos, sofremos, nos assustamos e rimos diante de uma história fictícia.
Mas a analogia entre mágica o cinema não pára por aí. O próprio enredo de O Grande Truque desenvolve-se como uma apresentação de ilusionismo (segundo o narrador-personagem, todo grande truque consiste em três atos seqüenciais: “A Promessa”, algo aparentemente comum é exibido; “A Virada”, momento em que o comum transforma-se em extraordinário; e, por último, “O Prestígio”, as vidas ficam por um fio e o espectador vê alguma coisa impressionante). Desde Alfred Hitchcock, os bons suspenses seguem esta lógica. Além disso, tanto na mágica como nos suspenses hitchcockianos tudo que é apresentado ao espectador tem um porquê. O Grande Truque não foge à regra...
Bergman e Antonioni mostraram a natureza humana como ela é, não nos iludindo quanto a isso. Por outro lado, foram mestres inigualáveis no truque de nos fazer vivenciar os dramas de seus personagens. Mas enquanto necessitarmos de lágrimas, enigmas, aventuras, risos e surpresas, outros cineastas continuarão a satisfazer, magicamente, nossos desejos.

sexta-feira, agosto 03, 2007


O novo sempre vem

Conhecer é uma tarefa que parece mesmo não ter fim. Quando você acha que compreende a si mesmo, de repente, encontra-se reagindo estranhamente... Quando você pensa que seu julgamento sobre alguém é o correto, espanta-se frente a atitudes até então nunca vistas...Temos uma intensa necessidade de conservar o que somos, arraigando-nos a certas características para nos definir. Semelhantemente, esperamos que o outro não mude e atribuímo-lo uma personalidade estática. Suponho que esta aspiração para conservar tudo como sempre foi seja a responsável pelo nosso assombro diante do novo.
Acredito que na relação entre pais e filhos, espantos ocorrem em abundância. Há pequenos sustos como aquele vivido por um pai acostumado com filho que ouvia Rebeldes e de repente começa a se esgoelar no quarto com o heavy-metal do Iron Maiden (o fato do pai se assustar não significa necessariamente que ele desaprova). Outras mudanças de rumo têm um impacto maior, por exemplo, quando uma jovem, ótima aluna, anuncia para seus pais, à véspera da inscrição para o vestibular que, em vez de pleitear uma vaga no curso de Medicina, concorrerá para a formação em Artes Cênicas. Assim, independente dos pais serem mais ou menos conservadores, surpreendem-se diante das transformações repentinas daqueles que julgavam conhecer tão bem. Felizmente, conflitos como estes podem ser superados se houver disposição para aceitar o que não estava escrito.
Fora do ambiente familiar, a tolerância com o diferente é menor. Ao inserir-se em um grupo (de trabalho, estudo, esporte, etc) que já tem sua dinâmica (funcionamento) estabelecida, é preciso ser cuidadoso para não ser apontado como a causa das desavenças. Suponhamos que um novo membro de um grupo qualquer apresente propostas visando melhorar o rendimento e amenizar os conflitos já existentes: o líder do grupo, caso se julgue onipotente, pode se sentir ameaçado (o novato teve uma idéia que ele, o líder, não havia pensando). Se assim for, o líder certamente colocará todos a favor dele, estimulando o isolamento do novo membro...Mas é preciso ressaltar que não é apenas o grupo que rejeita o novo: ao conservar intactas convicções e estratégias, a pessoa que se inclui no grupo também está se recusando a compreender o diferente.
Impor é tarefa para tiranos. Conceder é atitude de sábios.