Mafalda


quarta-feira, setembro 26, 2007




Em confronto com o desconhecido

Segundo Carl Gustav Jung, psiquiatra e escritor suíço, o ser humano alcança apenas uma parte do mundo, construindo seu próprio sistema de mundo. Muitas vezes, sentimos e percebemos este sistema como única realidade possível – somos aprisionados por ele.
Teoricamente, a idéia parece complexa, mas podemos compreendê-la no cotidiano. Não só evitamos o contato com quem não pensa como nós, como também condenamos a atitude alheia por não satisfazer nosso critério de certo e errado. Agrupamo-nos com pessoas que têm valores semelhantes aos nossos. Afirmamos não ter preconceito e acreditamos tratar a todos com ética e justiça, mas isto deixa de acontecer no momento em que nossas crenças são questionadas...
De fato, é da natureza de cada um de nós a construção da própria visão de mundo. A formação de conceitos é resultado do nosso desenvolvimento e é através deles que temos acesso à realidade. Sem eles, seria impossível nosso diálogo com o outro. Por outro lado, é também inerente ao ser humano a capacidade de ponderar sobre suas crenças e modificá-las. Mas, na prática, costumamos ser intolerantes com o que nos é estranho... Quantas guerras foram travadas pela não aceitação das diferenças (étnicas ou religiosas)? Quantos conflitos familiares, no trabalho ou em qualquer outro grupo acontecem por não conseguirmos entender alguém que não pensa como nós?
Não é uma tarefa simples aceitar uma postura discordante de nossos valores. Geralmente, não é uma questão de escolha. Admitir como correta uma atitude estranha a nós, pode nos colocar em contato com aquilo que uma vez enterramos e não pretendíamos trazer à tona, pois ir ao encontro do nosso íntimo dói – dúvidas são reacendidas. Como ninguém deseja sofrer, livrar-se de um possível tormento, julgando inadequado o que é estranho, é uma forma de defender o próprio bem-estar. No entanto, este bem-estar pode ser apenas imediato, uma vez que a pessoa que se apega fervorosamente a seus princípios, tende a se relacionar com poucos, além de se frustrar demasiadamente quando é contrariada.
Sofrer ao acolher o desconhecido é geralmente inevitável. Porém, é recompensador, pois quem acrescenta a si novas idéias e atitudes, aperfeiçoando as já existentes, expande seu sistema de mundo e torna-se mais altruísta.

sexta-feira, setembro 21, 2007


Memórias de um pedaço de pano

Sou uma camiseta, mas não uma qualquer: tenho 14 anos e trago em mim o retrato de um famoso líder de banda de rock. Estou velha. Minhas condições são realmente precárias: parece até que participei de uma grande batalha! A verdade é que fui muito usada desde que fui escolhida na Rodoviária de Ribeirão Preto.
Minha dona me ganhou quando estava com a idade que tenho hoje. Ela era fã dos Guns N’Roses e, especialmente, do vocalista, Axl Rose. Mas ao procurar, nesta cidade, por uma camiseta estampada com seu ídolo, ela não encontrou. Para a alegria dela, sua tia achou-me e, coincidentemente, a minha estampa era a mesma do seu pôster preferido.
A primeira vez que ela me usou foi uma ocasião especial: não havia cinema aqui e a sua escola organizou uma excursão até o shopping de Bebedouro para que os alunos assistissem “Questão de Honra”. Ela me vestiu com orgulho (naquele tempo, início da década de 90, não se usava “blusinhas” ou baby-looks), completando o traje com uma bermuda jeans e tênis. Neste dia, senti-me parte de sua identidade!
Lembro-me também que minha dona adorava me colocar para ir às aulas de teclado. E, depois que inaugurou o shopping de Barretos, foi comigo muitas vezes lá. Apareço também em várias fotos: em algumas, além de mim, ela está com um lenço amarrado na cabeça, tal como Axl Rose costumava fazer. Sua amiga e sua irmã a acompanhava na “fantasia”. Mas poucas vezes saíram em público assim, pois minha dona, apesar de gostar de usar o lenço, ficava envergonhada (vivendo entre elas, notei que o comportamento de uma influenciava o das outras. Deve ser porque estavam na tal da adolescência...).
Aos poucos fui sendo deixada de lado. Meninas não mais vestiam camisetas. Porém, minha dona não me descartou completamente. Guardou-me no armário junto com outras camisetas, como a da Copa de 94 e as da Copa de 90 e 86(!). Alguns anos atrás, ela resolveu adotar-me como pijama. Não era o que eu esperava, mas foi melhor do que ficar inútil...Quando ela começou a usar suas camisetas para praticar esporte, infelizmente eu já não estava em condições para isso. Tornei-me um farrapo. No entanto, ela ainda dorme comigo, mesmo com seus familiares insistindo para jogar-me no lixo. Presumo que ela não o faz porque, ao lhe trazer boas lembranças, induzo-a a bons sonhos.

quarta-feira, setembro 12, 2007


Maturidade e brandura

Algumas situações que antes me incomodavam, deixam-me indiferente. Por um lado, fico feliz, pois isto significa que estou cada vez mais apta para superar os percalços da vida. Por outro, entristeço-me, já que posso estar menos sensível... Então, indago-me: É preciso endurecer para atingir a maturidade?
Na infância, o ser humano é extremamente suscetível, pois está aberto para o mundo. É preciso pouco para fazê-lo rir ou chorar. Fala o que pensa – chega a ferir o outro por ainda não ter aprendido a encobrir seus sentimentos...Os anos passam e vamos assimilamos valores e normas sociais: o adolescente pondera sobre o quê e com quem falar, pois isto é essencial para a sua inserção num grupo. Mas, mesmo que guarde suas impressões para si, é extremamente sensível, sofrendo por razões que os mais velhos geralmente acham banais.
A aquisição da responsabilidade e da independência em relação aos pais (não só financeira como também emocional) é basicamente o que faz alguém ser considerado adulto. No entanto, na prática, isto não basta: uma pessoa adulta deve controlar seus impulsos, agir com austeridade e ter metas bem definidas, sobretudo se ela estiver inserida numa comunidade tradicional. Pouco espaço sobra para a espontaneidade, pois ser comedido é quesito para ser aceito socialmente – sem percebermos, quanto mais velas apagamos, mais restringimos nossa franqueza, reservando-a somente àqueles que consideramos íntimos...
Também deixamos de nos comover com questões que a maioria julga irrelevante ou escolhe ignorar, já que trazê-las à tona tornar-nos-iam inconvenientes. Além do mais, para usufruir um bem-estar material, o adulto geralmente centra-se no trabalho e na família. Assim, é comum um jovem universitário engajar-se em causas político-sociais que visam a igualdade social e, ao entrar para o mercado de trabalho, abandonar seus ideais.
Não sucumbir a este modelo de adulto é pouco provável. Mas busco resguardar, da minha infância, a curiosidade e o encanto pelo novo, e, da minha adolescência, a urgência de viver e a disponibilidade para fazer novos amigos. Meus ideais estão preservados, ainda que muitas vezes, no conviver, sinto-me impelida a escondê-los...
Acredito que a seriedade e sensatez adulta realmente proporcionam menos sofrimento. Porém, parodiando Che Guevara, é preciso amadurecer, mas jamais perder a ternura!

terça-feira, setembro 04, 2007


Meu relicário

Depois que terminei minha graduação, estando ainda em São Carlos, sentia-me carente de amigos. A maioria deles havia deixado a cidade (minha sorte era ter meu amor por perto – um amigo incomparável). Na época, desabafando pela internet com uma amiga, concluímos que fazer uma amizade verdadeira depois de formado é complicado porque, nesta época, as pessoas já têm um grupo fechado de amigos e não estão dispostos a conhecer outros. Ela também sofria com a falta de amizades. Mas acabei voltando para cá. E aqueles dos quais eu nunca tinha me afastado, receberam-me de braços abertos...
Embora nunca tenha formado um grupo homogêneo de amigos, eles mostraram-se igualmente fraternos nos momentos mais críticos da minha vida...Jamais elegi um como o melhor. Não porque quero fazer média, mas sim porque cada um tem aquele quê de especial e nenhum substitui o outro. Um deles, por exemplo, não tem papas na língua (colocando-me em situações embaraçosas), mas também me faz rir e pensar. Outro é meu informante número um, sabe de tudo que acontece no mundo (está com costume de me irritar tal como faz aquele que citei anteriormente, mas não me encolerizo para valer, pelo contrário, divirto-me).
Inesperadamente, reencontrei duas amigas preciosas dias atrás. Uma delas, mesmo morando perto, estava distante...Foi extremamente prazeroso, passamos horas apenas conversando. A outra, vive hoje bem longe daqui. Veio visitar a família e os amigos. Ouvindo-a convenço-me cada vez mais que felicidade e simplicidade são indissociáveis...Com ambas senti como se o contato não tivesse sido interrompido: muito em nós mudou, mas o afeto permaneceu...
Enfim, tenho comprovado que sempre é possível não só aprofundar as relações de amizade como também fazer novas. Pois alguns com os quais eu conversava apenas casualmente, tornaram-se grandes amigos. E através deles ganhei novas significativas amizades: as respectivas namoradas. Outros, mesmo estando sempre à minha vista, eu tinha receio de conversar. Eles têm me mostrado que a aparência realmente engana...
Saúdo hoje meus amigos barretenses, pois minha vida aqui sem eles seria opaca. E sinto-me feliz e aliviada por eles terem me mostrado que muitos corações, inclusive o meu, são capazes de abrir-se para o desconhecido!