Mafalda


quarta-feira, maio 30, 2007


Censura ou Direito?

Dia 13 de maio último entrou em vigor a nova classificação indicativa para a televisão (Portaria 264 de 9 de fevereiro de 2007). Porém, o trecho mais polêmico está suspenso pelo Supremo Tribunal Justiça (STJ), devido a um processo movido pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão). Trata-se do artigo que define a vinculação entre faixa etária e horária, onde foram determinados horários para programas inadequados a crianças e adolescentes (até às 20h, qualquer idade; entre 20h e 21h, para maiores de 12 anos; entre 21h e 23h, 16 anos e, a partir das 23h, 18 anos). As emissoras alegam que estipular quando um programa poderá ser vinculado infringe a liberdade de expressão constitucionalmente garantida. No entanto, a classificação etária indicativa está também prevista na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
Deixando a lei de lado e enfocando a ética, pergunto: alguém acredita que a televisão preocupa-se com a educação da criança e do adolescente? Penso que as emissoras são fábricas de entretenimento e, interessadas em vender seus produtos, não medem esforços para atingirem altos picos de audiência. Por que não aderir a uma lei cujo critério de classificação televisiva é semelhante ao de democracias como Alemanha, Reino Unido e Suécia? Os detentores do “Quarto Poder”, além de comparar a regulamentação à censura ditatorial, argumentam que o governo está cerceando a responsabilidade dos pais. Mesmo que este zelo fosse verdadeiro, não se justificaria, pois a lei não retira a autonomia paterna (ninguém será incriminado por permitir que uma criança de 12 anos assista a uma novela das 21h).
A classificação televisiva permite aos pais obter mais informações sobre o conteúdo das novelas, séries, filmes, programas humorísticos etc (a lei exige que as chamadas para as exibições “a seguir” já contenham a recomendação etária e o respectivo critério – cenas de sexo e violência, por exemplo). Além disso, a determinação de horários auxilia aqueles que chegam à noite em casa e não têm meios para monitorar o que o filho assiste durante à tarde (ou muitos outros, que mesmo presentes, ignoram o que a criança vê...).
Resta-nos aguardar: finalmente à criança e ao adolescente serão assegurados o direito ao respeito e à dignidade, ou a mídia, sob o pretexto da égide democrática, continuará apresentando, em horários indiscriminados, conteúdos abusivos?

terça-feira, maio 22, 2007

Carência de Arte

Às vezes é revoltante morar em Barretos! Neste último fim de semana ocorreu, em diversas cidades do Estado, a Virada Cultural Paulista: shows, peças de teatro e cinema oferecidos gratuitamente à população. Moradores de Rio Preto, Araçatuba e Araraquara (citando apenas algumas cidades) puderam desfrutar os espetáculos. Já os barretenses tiveram que se contentar com as opções (por sinal, nada culturais) de sempre!
Sábado à noite. Eu estava subindo a rua 20, de carro, na companhia de um amigo. Ao passar em frente ao prédio do antigo Cine Barretos, meu amigo observou: “Se tivessem restaurado, talvez fosse possível a realização da Virada Cultural aqui...” Bom, não sei como está a questão da reforma do edifício, o fato é que nos causou tristeza ver aquele belo edifício inutilizado e cada vez mais degradado.
“Barretos não tem nada para fazer!” Já escutei e já pronunciei esta frase. Provavelmente, a maioria dos barretenses também. Eu não costumo viajar nos fins de semana, mas ouvi relatos de que nossa vizinha Bebedouro tem muito mais a oferecer, seja em matéria de entretenimento, seja de cultura (comparar com Rio Preto já é covardia).
É verdade que ultimamente até vem sendo possível prestigiar alguns eventos culturais na nossa cidade como saraus, exposições de arte, concertos e coquetéis de lançamentos de livros. Porém, tais apresentações normalmente são em ambientes restritos a convidados ou com entradas limitadas e/ou a preços inacessíveis para os menos favorecidos economicamente. Como é de costume no país, são estes os maiores prejudicados. Pois os barretenses privilegiados financeiramente, além de usufruir a cultura local, têm a oportunidade de assistirem, por exemplo, à apresentação de uma peça no Teatro Municipal de Ribeirão Preto...
Barretos acomodou-se em ser apenas a cidade da Festa do Peão, o que, cotidianamente, acrescenta muito pouco em termos de qualidade de vida para seus moradores. É preciso que a sociedade civil e o poder público conscientizem-se que oferecer opções culturais a toda população significa, além do bem intrínseco ao contato com diversas formas de arte, complementar a educação formal e contribuir para que jovens e crianças mantenham-se distantes de atos infracionais.

Nadime L’Apiccirella (nadime_lapiccirella@yahoo.com.br)

quarta-feira, maio 16, 2007


Lição de uma menininha

Já é lugar comum dizer que crianças podem nos ensinar sobre a vida – principalmente aquelas atitudes desaprendidas na busca pelo que acreditamos ser a maturidade. No Dia das Mães, minha sobrinha, Luíza, de apenas cinco anos, surpreendeu-me com sua sabedoria. .
Ela e sua irmã gêmea, Laura, estavam brincando com pedaços de imã e eu peguei uma bacia de plástico para colocarem um imã embaixo e outro em cima. Não deu certo, pois a bacia teria que ficar suspensa e não achamos um apoio adequado. Então eu comecei a fazer uma seqüência de batuques sobre a bacia, aprendida há muito tempo. Ambas quiseram fazer igual. Repeti inúmeras vezes. Elas tentaram imitar, mas perceberam que o som não era o mesmo. De repente, Luíza ordenou: “Muda de assunto!”, pondo fim à brincadeira. Eu dei gargalhada e Laura acompanhou-me. Luíza, que por um momento pareceu aborrecida, pegou seu picolé e riu muito também!
Alguém pode dizer que a frase de minha sobrinha é típica de um adulto. Concordo que o vocabulário seja, sobretudo a palavra “assunto”. É inevitável a incorporação da linguagem e comportamento adulto por uma criança no seu processo de crescimento: vê-se ainda que Luíza usou o vocábulo de forma metafórica, pois não era um assunto e sim uma brincadeira, o que demonstra sua capacidade de abstração. No entanto, Luíza apresentou espontaneidade e coragem, virtudes que em alguns momentos nos carecem.
Se pararmos para refletir, não são poucas as ocasiões que temos vontade de dizer simplesmente “vamos mudar de assunto!” e nos calamos, seja por receio de interromper o interlocutor ou por medo de admitirmos uma fraqueza. Luíza não estava preocupada em acabar com a minha diversão e não hesitou em dizer, mesmo que não diretamente: “eu não sei e, no momento, não consigo aprender”. Mas nem sempre o motivo de desejarmos cessar um diálogo é por não termos o conhecimento sobre ele: às vezes, ele nos incomoda por nos trazer lembranças dolorosas ou simplesmente por ser ofensivo. E mesmo nos causando sofrimento, continuamos ouvindo. Falta-nos a ousadia infantil! (Seja qual for a razão, reconhecer os próprios limites é mais doloroso para o adulto que, habitualmente, prefere se sacrificar, enganar a si mesmo e dissimular, em vez de admiti-los). Luíza lembrou-me que não somos obrigados a infringir nossa alma: basta mudar de assunto!

terça-feira, maio 08, 2007


Remediar não é o suficiente

Há quase duas semanas a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos somente para adolescentes que cometerem crimes hediondos. Além disso, a proposta prevê que o jovem deve ter pleno conhecimento do ato ilícito para ser submetido ao regime prisional, o que precisa ser comprovado por um laudo técnico elaborado pela Justiça.
Após o cruel assassinato do menino João Hélio, a sociedade clamou por mudanças rápidas e efetivas. Pode-se dizer que a proposta votada na CCJ é uma das respostas a esta demanda. Se aprovada pelo Senado e pela Câmera, estaremos protegidos, por um período maior, de indivíduos extremamente perigosos. Por outro lado, questiono se a redução da maioridade penal coibirá a criminalidade. A meu ver, o delinqüente juvenil que comete um crime bárbaro, com pleno discernimento do que está fazendo, dificilmente teme as conseqüências. Pelo contrário: o risco de ser pego talvez seja mais um motivador do ato do que um inibidor. E, seguindo este raciocínio, quanto mais drástica a punição, maior o risco e, portanto, mais estimulante tornar-se-á a prática do crime. Um outro dado que me leva a presumir a não diminuição dos crimes hediondos é a praxe que muitos criminosos adultos tem de recrutar menores de idade para a formação de quadrilhas: se a proposta for acatada, provavelmente teremos adolescentes cada vez mais novos envolvidos em delitos desumanos.
Não se trata aqui de defender uma opinião contra a emenda. Concordo que o tempo previsto atualmente na lei é muito pouco para criminosos como o Champinha ficarem detidos, ainda que a ex-FEBEM fosse hipoteticamente uma instituição modelo como as previstas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Pois mesmo que o jovem em questão desfrutasse de um tratamento psiquiátrico/psicoterápico acompanhado de assistência social e profissionalização, seriam necessários mais de três anos para uma recuperação satisfatória (e ainda assim tenho dúvidas se ele estaria apto para viver em sociedade). Mas o que temo é que as autoridades se acomodem caso a redução da maioridade penal seja aprovada. Para atacar a criminalidade, é preciso, em termos gerais, reformar o Sistema Penitenciário, aplicar, de fato, o ECA, além de garantir Saúde e Educação gratuita e de qualidade pra toda a população e, concomitantemente, combater a tão flagrante desigualdade social presente no nosso país.

quarta-feira, maio 02, 2007


Tão longe, tão perto

Anos atrás, fui para o Rio de Janeiro com o pessoal do meu curso universitário. O motivo da viagem foi um congresso de psicologia. Mas como eu não conhecia a cidade, decidi não participar do evento e fazer apenas uma viagem turística... Lotamos um ônibus: além de futuros psicólogos, havia um estudante de engenharia sueco e uma estudante de biologia iugoslava (na época, ainda existia a República Federal da Iugoslávia) que também queriam aproveitar a oportunidade de visitar a mais famosa cidade brasileira.
Alguns poucos se hospedaram na casa de conhecidos. A maioria foi para um hotel. Era um lugar simples, mas aconchegante, há 800 metros da Praia de Copacabana. Falaram que antigamente fora um albergue estudantil. Porém o que havia de mais surpreendente no local eram os hóspedes: estrangeiros de várias partes do mundo – australianos, ingleses, chineses, suíços, franceses, espanhóis e estadunidenses. Além do nosso grupo, restava apenas um brasileiro que temporariamente estava morando lá...
Certa vez, um professor disse que ser antropólogo significava olhar o que é nosso com se fôssemos estrangeiros e, por outro lado, olhar o estrangeiro como se fosse nosso. Naquele hotel, fui impelida à uma experiência antropológica. Pois eu e meus amigos brasileiros passávamos muito tempo com aqueles vindos do exterior. No dia em que chegamos, à noite, fomos à Praia Copacabana com eles: foi a primeira vez que pisei em areias cariocas. Também passeei bastante com o sueco e com a iugoslava que vieram com meu grupo. Fui ao Cristo Redentor. Lembro-me de Mats, o sueco, se encantar com a beleza da paisagem mas também se decepcionar com a poluição da Baía de Guanabara. Fui ao Jardim Botânico com duas australianas totalmente desconhecidas até então. Falavam entre elas e andavam rápido. Eu estava mais preocupada em contemplar o lugar. Lá, preferiria estar na companhia de mineiros...
Assim, muito do que senti na Cidade Maravilhosa foi acompanhado de observações e atitudes estrangeiras. Até o pior que o Rio pode “oferecer” só conheci quando Mats foi assaltado. Eu não presenciei o acontecido, mas vi seu desespero e espanto ao chegar no hotel. Levaram cem reais do seu bolso. Nós, os brasileiros, dissemos: “mas você não pode andar com todo esse dinheiro nesta cidade!”. Ele apenas havia tratado o estrangeiro como se fosse o país dele. Por outro lado, compreender seu comportamento e sua angústia exigia, mais uma vez, olhar a situação como se eu fosse estrangeira...