Mafalda


quinta-feira, março 15, 2007


Sonhos?

Já é praxe a constatação de que estamos numa época onde beleza, juventude e felicidade tornaram-se sonhos de consumo. Pois bem, convido-lhes a imaginar a seguinte situação: o preço das cirurgias plásticas, das aplicações de botox e dos implantes de silicones foi extremamente barateado, permitindo a qualquer pessoa recorrer a estes procedimentos. Além disso, os laboratórios farmacêuticos criaram uma pílula da alegria que impede qualquer sentimento de frustração e angústia (sem efeitos colaterais) e pode ser adquirida em toda rede de saúde pública. Imaginaram? Agora suponham que a população em massa aderiu a todos estes “benefícios”. Qual seria o resultado?
Dando continuidade à idealização, desenho o ulterior cenário: avós de faces lisas como de Vera Fisher e cinturinha vide Gisele Bündchen; avôs com rostos à la Tarcísio Meira e corpinho tamanho Rodrigo Santoro. Vejo também crianças, jovens e adultos esbanjando contentamento. Sim, no início tudo é festa: o sonho virou realidade! Mas, com os passar dos anos, as pessoas cansaram-se da alegria desmedida, pois nada afetava os ânimos exaltados: nem a morte de um ente querido era capaz de derramar lágrimas. Assistiam às notícias catastróficas e não se sensibilizavam. E quanto à beleza? A imutabilidade de seus rostos não era mais tão agradável como outrora. Perceberam que pouco de humano havia lhes restado...
Projetar o futuro de forma fantasiosa permite a reflexão sobre a vida que estamos construindo. As conseqüências geradas pela busca incessante da juventude e do corpo ideal nunca foram tão alarmantes: casos de jovens anoréxicas e bulímicas e de mortes decorrentes de cirurgias plásticas e implante de silicone são cada vez mais comuns. Somando-se a isto, vê-se aumentar o número de pessoas que sofrem de depressão e ansiedade enquanto um estado permanente de felicidade é cruelmente exigido.
Dias atrás, em entrevista à Folha Ilustrada, a renomada atriz Laura Cardoso, 79 anos, declarou que suas rugas, cada traço de seu rosto, contam uma história de sua vida, e por isto jamais faria uma plástica...Parece-me essencial considerar o envelhecer um processo natural que, apesar de suas perdas, poderá ser vivenciado ativamente dependendo da maneira como se enfrenta os infortúnios cotidianos e a inevitável passagem do tempo. Ainda temos tempo de aceitar que somos humanos.

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