Mafalda


sexta-feira, janeiro 26, 2007


Apimentada

Sexta-feira passada, 19, completou-se 25 anos da morte daquela considerada por muitos, a maior voz do país. Elis Regina disse adeus no auge de sua carreira, aos 36 anos. Jovem e enérgica.
Não tive o privilégio de apreciá-la nos seus anos de ouro. Não a vi na televisão, junto a Jair Rodrigues apresentando “O Fino da Bossa”. Não a vi enlouquecendo a platéia nos festivais da Rede Record... Mas hoje em dia, com toda a tecnologia disponível, as gerações que não conheceram Elis, podem desfrutá-la.
Meses atrás encontrei no Youtube uma apresentação dela no Fantástico, em 1975. Fiquei embasbacada! Ela interpreta raivosamente “Como Nossos Pais” (mas seria melhor dizer que ela VIVE essa música enquanto canta!). É de arrepiar! Em outro vídeo, de 1979, no Festival de Jazz de Montreux (Suíça), ela canta Asa Branca com Hermeto Pascoal ao teclado, revelando sua meiguice ao sorrir e acariciar os longos cabelos brancos do compositor multiinstrumentista...
Elis foi polêmica: não media as palavras! Incomodou a ditadura e a mídia. Se fosse baiana, seria “arretada”. Era a Pimentinha. Revelou compositores como Miltom Nascimento, Ivan Lins e Gilberto Gil. Teve a audácia de dispensar Chico Buarque, em 1965, achando-o tímido demais – “cara de jiló” – na ocasião em que ele foi visitá-la oferecendo-a “A Banda” para que ela cantasse no Festival (Nara Leão cantou a música de Chico e dividiu o primeiro lugar com Jair Rodrigues, em 1966, no primeiro Festival da Record). Felizmente, embora não tenham se tornado grandes parceiros, Elis cantou algumas obras de Chico, brindando-nos, por exemplo, com sua incomparável interpretação de “Atrás da Porta”.
Muitos se perguntam por que alguém com tanta vitalidade, uma carreira brilhante e três filhos pequenos, morre por ingerir drogas e álcool. É arriscado julgá-la, pois uma estrela é praticamente inalcançável... Não acredito que Elis desejava pôr fim à sua vida e nem ao menos estava insatisfeita com ela. Preparava um próximo disco. Os artistas que a rodeavam dizem que ela não era muito afeita à cocaína. Experimentara havia um ano. Foi um acidente. Uma dose a mais. Um descontrole de alguém que um dia declarou: “Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé”.

domingo, janeiro 21, 2007


A árvore

Fernanda tinha seis anos. Mariam tinha nove. Descobriram-se vizinhas. Quando a primeira fez sete, convidou Mariam e a irmãzinha dela, Ariane, então com seis anos, para seu aniversário. Foi o começo de uma grande amizade...
Assim que terminava as tarefas escolares, Mariam chamava Fernanda e divertiam-se pelo resto do dia, sempre acompanhadas de Ariane e outras amigas também vizinhas. Brincavam de casinha, dançavam lambada, jogavam Top Game, passavam trote às escondidas no telefone...Á noite, juntavam-se aos meninos que moravam nos arredores e brincavam de “pique-esconde”, “mamãe-da-rua”, “beijo-abraço-aperto-de-mão” e importunavam a idosa que não deixava a garotada passar de bicicleta na sua calçada. Nada poderia ser melhor que a vida que levavam!
Todo dezembro, a mãe de Mariam e Ariane fazia a Novena de Natal. Fernanda sempre estava lá. Rezavam, cantavam Noite Feliz e comiam sonho-de-valsa. À noite, as três reuniam-se com outras amigas e iam no centro, espiar as lojas e tomar sorvete. Na volta, apertavam a campainha das casas e corriam...
Esperavam ansiosamente o carnaval. Fernanda, Mariam e Ariane pulavam na matinê do clube incansavelmente, ao som das antigas marchinhas e de músicas infantis. Os foliões se abraçavam e iam andando atrás dos outros, formando um círculo. A “roda” – como era conhecida esta brincadeira – era o ápice da diversão!
Ariane ganhou um karaokê (daqueles antigos – um tape com microfone). As três saíam na rua cantando com este aparelho na mão. Batiam nas casas dos vizinhos e quando o dono aparecia, entoavam: “alô galera, atenção rapaziada, a TV Pirata vai entrar de férias e vai voltar com a bola toda”. Elas estavam de férias. Emendavam paródias inventadas por elas. Ninguém esbravejava com o “número” e elas não se envergonhavam do papel que faziam.
Mariam já era adolescente e se afastara de Fernanda e Ariane quando elas colocaram placas de madeira em cima de uma árvore vizinha. Mariam não agüentou. Tinha que desfrutar disso. Leu “Amor de Perdição”, exigido pela escola, lá. A árvore as reaproximou.
Quinze anos após este episódio, Mariam e Fernanda têm uma amizade incondicional. E Ariane está sempre por perto, como quem não esquece jamais algumas de suas raízes.

sexta-feira, janeiro 12, 2007


Grande pequenino cão

Tenho um cãozinho especial (sei que para todo dono o seu cão é fora do comum, então vou dizer porque, aos meus olhos, o meu é tão precioso). Ele tem pêlos longos e pretos, com penugens brancas nas patas (parecem meias) e no peito; é baixinho e comprido; tem um rabo que forma um “C” como aquele da cartilha “Caminho Suave”. É um vira-lata e tem quinze anos de idade. Atualmente, escuta e enxerga pouco, anda vagarosamente...
Antes dele, eu tinha uma cachorrinha. Seu nome era Juma. Morreu precocemente, atropelada por uma ambulância... Esperei ansiosamente que a mãe de Juma tivesse outra cria e eu e meus irmãos fomos escolher qual seria o nosso novo animalzinho de estimação. Quando vi aquela bolinha preta e peluda, apaixonei-me! Parecia um ursinho de pelúcia! Não tivemos dúvida, era ele o escolhido. Na época, tinha um cantor pop estrangeiro fazendo sucesso e que meu irmão mais velho gostava: Prince. Gostei da sonoridade da palavra e do significado. Todos aceitaram e o cãozinho foi assim batizado. Tivemos que decidir como soaria seu nome: como se lê em português ou a pronúncia correta inglesa. O tempo fez com que o português prevalecesse. (Meu outro irmão, o imediato antes de mim, escolheu o segundo nome do filhote, e, assim, o seu nome completo ficou: Prince Atílio L’Apiccirella).
Sempre gostei do Prince. Mas antes, suponho que como reflexo da pessoa que eu era, não lhe dava tanta atenção. Às vezes, encostava à mão na sua cabecinha. Não falava muito com ele... Então fui morar fora. Por muito tempo, nada mudou entre nós. Entretanto, há mais ou menos três anos, não sei o que aconteceu... Não sei se foi comigo ou com ele ou com ambos. Talvez a iminência de perdê-lo tenha me feito vê-lo com novos olhos. Quando eu vinha para cá, ele sempre estava por perto e eu o acariciava constantemente. Percebia que a festa que ele fazia ao me ver era mais intensa que a de outrora. Voltei a morar na mesma casa que ele e nosso carinho mútuo é cada vez maior. É terapêutico agradá-lo!
Outro dia, fomos viajar. O Prince ficou sozinho por um dia. Quando chegamos, tinha lágrimas nos seus olhos. E seu latido era uma mistura de choro e alegria. Outro dia, tirei umas fotos com ele: encostou a cabecinha dele na minha... Não sei se meu cachorro é único, mas não é isso o que importa. Interessa o que ele tornou-se para mim. Isto é singular, raro, extraordinário!

sexta-feira, janeiro 05, 2007


“Dr. George W. Frankenstein”

O ano de 2006 terminou com um fato histórico: a execução de Saddam Hussein. O mundo assistiu perplexo. As imagens chamaram atenção pela serenidade do ex-ditador diante de seu infortúnio. Alguns se indignaram pela aplicação da pena de morte, outros, pela intocável impunidade de George W. Bush.
Lendo sobre a trajetória de Saddam Hussein e sua relação com os EUA, lembrei-me de um romance de terror: Frankenstein (escrito em 1818 pela britânica Mary Shelley). Para quem desconhece, a obra narra a história de um cientista, Dr. Victor Frankenstein que, com intuito de criar uma pessoa, acaba gerando um monstro; não sabendo como controlá-lo, o doutor o abandona, mas isto provoca a ira da criatura rejeitada que procura incessantemente se vingar daquele que lhe deu a vida...
Saddam Hussein formou-se em Direito e seus estudos foram financiados pela CIA (Agência de Inteligência Internacional, responsável pelos assuntos de inteligência relacionados à segurança dos EUA). Na guerra entre o Iraque e o Irã (1980-1988), o ex-ditador teve o apoio das armas estadunidenses e mais de 600 mil pessoas foram mortas. Mas, em 1990, quando o iraquiano invadiu o Kuwait, um dos maiores fornecedores de petróleo dos EUA, tornou-se o grande inimigo de “Bush pai”. Assim, com permissão da ONU, em 1991, os EUA atacaram o Iraque, deixando 200 mil iraquianos mortos.
Realmente Saddam Hussein cometeu inúmeras atrocidades, mas acharia de melhor proveito se fosse condenado pelo resto de sua vida a prestar ajuda humanitária. No entanto, a questão aqui é outra: até quando alguns que julgam ter poder sobre a vida e a morte continuarão vitimando milhões de inocentes? Quantos “Doutores Frankesteins” e quantos “Monstros” (Saddam, Bin Laden, Pinochet e outros ditadores na África e América Latina) existirão até que resolvam punir também os criadores? Enquanto George W. Bush, Tony Blair e companhia brincam de Deus, outros sofrem com as conseqüências de suas obras destrutivas. Diferentemente da história de Mary Shelley, as maiores vítimas dos “Monstros” não são seus inventores...