Mafalda


sexta-feira, setembro 29, 2006


Tempo de viver

Em algumas situações consigo vivenciar, segundo por segundo, o que está acontecendo, sem pensar no passado ou no futuro, apenas estando ali, desfrutando plenamente o momento. É assim quando estou com minhas sobrinhas, pois o tempo pára e nada além delas e de suas brincadeiras parece ter importância. Quando estou no mar, a experiência é semelhante: divirto-me a cada onda, sentindo a força da água e desafiando-a; a única preocupação, durante esse deleite, é não me afogar.
A partir de minhas experiências, pensei ser somente possível a apreciação do presente tal como descrevi, em circunstâncias lúdicas, ou seja, momentos de brincadeira ou diversão. Mas eu estava equivocada. Dias atrás passei por isso em uma nova e distinta ocasião: eu e meu namorado estávamos em Campinas e fomos para a estação rodoviária às 18:30h. Chegando lá descobrimos que o próximo ônibus só partiria às 21:50h. Não tinha como retornar para a casa dos pais dele e então teríamos que aguardar por três horas...No início, ficamos irritados. No entanto, percebemos que poderíamos inventar o que fazer e aproveitar aquele tempo junto. Então tomamos um café, conversamos, fomos na banca de revistas e estudamos também. Em vez de nos entediarmos, prezamos o que a situação poderia nos oferecer e já que não tínhamos nenhuma obrigação a ser feita, pudemos fazer daquelas horas num lugar inusitado, um desses momentos em que nada mais importa.
Lamentavelmente, tenho a impressão que as pessoas estão cada vez mais preocupadas e ensimesmadas, pensando no passado ou em algo que ainda têm para fazer. Em raros momentos, param e apreciam o seu trabalho, o seu jardim, o seu parceiro ou um pôr-do-sol. Vivem correndo...Quando descansam, geralmente escolhem a TV como meio para isso. Quem dera pudéssemos dedicar tanta atenção aos pequenos acontecimentos do dia quanto destinamos às novelas ou programas esportivos...
A expressão Carpe Diem (aproveite/desfrute o dia) tornou-se bastante popular e difundida. Porém, no meu entender, tem sido praticada de forma errônea, como se Carpe Diem significasse apenas fazer o máximo de atividades no dia. Mas de nada adianta ocupar-se o tempo todo e não apreender o que cada momento tem de especial. É necessário viver intensamente, tornando o banal uma experiência única.

quarta-feira, setembro 27, 2006


SER ou TER? Eis a questão!

Durante toda a nossa educação somos instruídos pelos pais e pela escola de que o SER é mais importante que o TER. Deste modo, a pessoa que somos – nossas atitudes e nossos conhecimentos – tem um valor bem maior do que a nossa aparência e nossos bens materiais. No entanto pergunto: na prática, na vida cotidiana, isso é verdade?
Por mais que a família e a educação formal se esforce para transmitir virtudes que nos guiem à integridade, estamos imersos numa sociedade de consumo, cujas leis não respeitam a ética, ou qualquer moral ou religião. A mídia, poderoso meio de educação(?), sustenta-se pela venda de anúncios, então é natural que a sua programação incite o consumo, reforçando a idéia de que o nosso valor está naquilo que possuímos. Assim, um conflito se evidencia: para sermos alguém, ao contrário do que aprendemos, precisamos TER e, o outro, nos reconhece, nos identifica, através daquilo que oferecemos materialmente.
O apego material gerou um desequilíbrio na natureza humana. Se analisarmos minuciosamente os problemas que a humanidade vem enfrentando, certamente encontraremos suas raízes na luta pelos bens materiais. As guerras internacionais, embora tentam se justificar por uma questão social, são conseqüências da ambição pela soberania econômica. Os inúmeros problemas ecológicos são frutos da desenfreada exploração da natureza pelo homem em busca do conforto material. Os crimes cometidos por jovens da periferia são muitas vezes gerados pela busca de um status e de um lugar na sociedade que o exclui (imaginem para um garoto o que é ser “bombardeado” dia após dia pela televisão com produtos que jamais conseguirá comprar e sabendo que somente tendo posse deles tornar-se-á alguém). Estes são exemplos extremos, mas se avaliarmos nossas ações veremos que não estamos tão distantes assim da hiper-valorização dos bens de consumo...
É preciso praticar nossas virtudes. É preciso educar coerentemente, ensinando e agindo de forma a demonstrar o valor das atitudes humanas. É preciso exigir que a televisão nos ofereça uma programação de qualidade que exalte o respeito ao próximo por aquilo que ele é. Enfim, é urgente que se resgate nossa humanidade se ainda desejarmos SER humanos.

segunda-feira, setembro 11, 2006


Romance

Outro dia assisti ao filme “Orgulho e Preconceito”. Um olhar superficial poderia julgá-lo apenas como mais um conto de fadas. Porém, esta obra, versão cinematográfica do livro homônimo escrito por Jane Austen, possibilita refletir sobre variados aspectos da natureza humana: sociais, morais e afetivos, mesmo se tratando de um retrato de uma época e de um lugar (início do século XIX, Inglaterra). Mas, foi a diferença dos costumes que me atraiu, especialmente no que diz respeito às conquistas amorosas.
Naquela época, muitos casamentos aconteciam por interesse, principalmente econômicos. Embora aristocratas comumente procurassem uma esposa que também tivesse posses, alguns se encantavam por moças simples e belas e estas viam neles uma possibilidade de ascensão social e de propiciar segurança à sua própria família. Os bailes na cidade eram a maior oportunidade para o cortejo amoroso. A dança era o momento de máxima proximidade, onde olhares e palavras eram trocados. Não eram permitidos encontros sem a presença da família, a não ser na ocasião em que fosse feito o pedido de casamento.
O contato físico entre homens e mulheres era restrito às danças, pois mesmo os cumprimentos se davam à distância, apenas com um gesto. Assim, se por acaso, acontecesse um toque, por mais sutil que fosse, o valor sentimental era inestimável (há uma cena belíssima no filme que demonstra isso, mas minhas palavras seriam insuficientes para descrevê-la).
Voltando ao século XXI, percebe-se gritantes diferenças. Os casamentos não são mais por interesse, pois casamos por quem nos apaixonamos (ainda que não seja tão comum assim alguém de nível econômico privilegiado se unir a outro de situação econômica extremamente inferior à sua). E as conquistas, as paqueras (ainda se usa essa palavra?) estão longe de parecer o que eram há dois séculos. É verdade que existem trocas de olhares e danças, mas o salto para o beijo é muitas vezes rapidíssimo – na era do ficar não há muito espaço para o romantismo. Talvez, no início da adolescência, a conquista seja mais delicada, assemelhando-se ao século XIX, mas isto está cada vez mais raro.
Mesmo que os casamentos de outrora fossem aparentemente entre desconhecidos, podia-se ver, através de pequenos gestos e poucas palavras, a alma do outro. Hoje, é mais fácil dissimular, pois nem sempre o corpo revela a alma.