Miragem
Sentia medo. Estava frio. Queriam saber porque eu estava ali. Diziam palavras que para mim não fazia sentido algum. Eu não sabia se me queriam bem ou se me afrontavam. Temendo o pior, permaneci em silêncio.
Era minha primeira noite. Eu havia chegado no fim da tarde. Não me lembro das primeiras horas. Sei que disseram que eu ficaria bem desde que não desapontasse. Acho que eu sentia fome.
Disseram-me que eu estava ali por ter infringido a sociedade. Eu não sabia o que isto significava...
Nasci na rua. Aos 6 anos, deram-me um saco para cheirar. Gostei. Eu ria e não sentia fome. Pedia dinheiro no farol, mas logo aprendi que era mais fácil roubar. Aos 10 anos, já era um grande batedor de carteiras. Nunca usei arma: o pastor da praça disse que quem mata vai para o inferno...
A polícia me pegou furtando de uma velhinha na Sé. Levaram-me para um lugar junto a outros meninos parecidos comigo. Lá não tinha estrelas na hora de dormir. Mas lá eu comecei a ir à escola e a comer todos os dias. Levaram-me ao cinema (foi a primeira que fui e no início confesso que me assustei muito: o filme era ‘Velozes e Furiosos” e achei que os carros viriam para cima de mim...). Aprendi tocar bateria. Fiz amigos. Descobri o que é preocupação.
Alguns recebiam visitas das mães. Eu não tinha mãe. Mas eu até achava melhor não ter mãe do que ter e não receber visita dela.
Conheci outro mundo. Eu aprendi (não sem dificuldade) a ler e, enquanto os meninos ficavam com seus parentes, eu devorava livros. No começo, entendia pouco. Era como um papagaio mudo. Mas a professora de português me ajudou e, aos poucos, diversas realidades abriram-se para mim.
Quando sai de lá, após alguns meses, tive vontade de voltar para as ruas. Mas a ONG havia arrumado um local para eu morar e matricularam-me no supletivo. Resolvi acreditar e pensar em algum futuro...
Hoje tenho 23 anos e estudo letras no período noturno. Trabalho como garçom num restaurante durante o dia, ofício que aprendi naquele lugar que fiquei por ter infringido a sociedade.
Dizem que sou minoria. Espero um dia não ser. Espero existir.
Um comentário:
aaeeaeaaeae!!
vc voltou !!!
finalmente!!
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