Mafalda


quarta-feira, novembro 28, 2007


O Império do poder
Dias atrás achei um jornal de outubro deste ano. Às vezes guardo o Caderno “Mais” da Folha para ler depois, mas havia esquecido deste. Folheei-o, mas a princípio não achei nada que me chamasse tanta atenção. No entanto, sobrava-me tempo: li um artigo do psicanalista Renato Mezan, intitulado “Prazeres Expressos”, sobre o ensaio fotográfico de Mônica Veloso e a polêmica em torno do roubo do Rolex do apresentador Luciano Huck. Quando li o subtítulo, estranhei: que relação poderia ter estes dois acontecimentos, além da incessante exposição pela mídia? Mas Mezan surpreende sempre: além de renomado psicanalista é um excelente escritor. Não tenho mais o artigo em mãos...O que apresento a partir de agora é resultado da memória que tenho da leitura das palavras de Mezan embaralhadas com minhas próprias convicções.
O que representa um Rolex? Ter um relógio deste significa que você pertence a um grupo seleto (Mezan conta que quando os relógios de bolso surgiram, as pessoas compravam coletivamente e revezavam o uso. Quem não estava usando, colocava apenas uma corrente para fora do bolso para simular a posse do relógio).É sinônimo de status e, conseqüentemente, poder. Atualmente, caminhar em São Paulo com um Rolex no punho é pedir para ser assaltado. E roubá-lo pode significar uma tentativa de se aproximar dos privilegiados e/ou uma reação à imensa desigualdade social: agir violentamente seria uma forma de compensar a miséria e ainda demonstrar quem é que detém a força.
E o ensaio fotográfico de Mônica Veloso? As fotos dela na “Playboy” causou frisson nos brasileiros (parlamentares foram flagrados “saboreando” a revista). Mezan aponta que muitas beldades já pousaram nuas, mas poucas tiveram o mesmo efeito. Qual a diferença? Segundo Mezan, ao olhar a jornalista em fotos tão íntimas, o público masculino se identifica com Renan Calheiros (coloca-se no lugar dele) e, inconscientemente, deseja desfrutar não só Mônica Veloso, mas todos os benefícios que ele possui.
Aparentemente distintos, os dois acontecimentos retratam o gosto pelo poder. Quem tem um Rolex exibe o poder. Quem o rouba deseja o poder e/ou demonstra do lado de quem ele está. Já no último caso, o anseio pelo poder (inclusive a vantagem de estar acima da lei) revela-se no olhar embasbacado de milhões de brasileiros diante da nudez de Mônica Veloso.

quinta-feira, novembro 22, 2007


Além da Tropa

“Tropa de Elite”, o filme brasileiro que vem batendo recordes de bilheteria, tem suscitado polêmicas. De um lado, estão aqueles que aplaudem a obra do diretor José Padilha principalmente por ela retratar com suposta fidelidade o caos existente nas favelas cariocas e a atuação do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais). De outro, os que a julgam como enviesada: o diretor, ao escolher o policial do BOPE como narrador, legitima, implicitamente, a violência empreendida pelo Batalhão. Estou de acordo com estes últimos.
O cinema é formador de opiniões. Certamente há casos em que o filme apenas reforça uma idéia já existente. Mas, ao ser visto por crianças e adolescentes, “Tropa de Elite” funciona como modelo de solução da violência urbana: ouvi adolescentes falarem com empolgação sobre as ações do policial-narrador Capitão Nascimento. Concordam plenamente com a tortura empreendida por ele e seus parceiros. Para eles, a mulher do traficante é culpada por casar-se com bandido e o menino torturado mereceu, pois avisava os traficantes quando a polícia entrava no morro. (Em tempo: a censura nas salas de cinema é de 16 anos, mas o filme, pirateado antes mesmo de estrear, chegou a ser exibido numa escola para meninos e meninas de 12 anos; além disso, os adolescentes a que me referi têm entre 13 e 14 anos).
Realmente o tráfico de drogas e todas as conseqüências geradas por ele são um dos maiores problemas da atualidade. No entanto, a meu ver, a repressão policial, quando desacompanhada de ações pró-sociais, apenas gera uma guerra interminável. Pois, enquanto houver consumo, o tráfico permanecerá (neste sentido, as ações do BOPE de nada resolvem). Assim, a melhor forma de combater o comércio de drogas é cessar a demanda. E para isto é preciso educar, sobretudo, as crianças e os adolescentes (não estou aludindo somente à educação escolar. Remeto-me principalmente aos valores, atitudes e afeto transmitidos pelos pais) Portanto, ao esperamos que a polícia resolva completamente a questão do tráfico, estamos esquecendo de nosso papel na prevenção do abuso de drogas.
Penso que “Tropa de Elite”, em vez de retratar a realidade, mostra uma visão maniqueísta da mesma: o bem versus o mal (nada muito diferente dos filmes de ação hollywoodianos) Pelo sucesso alcançado parece, infelizmente, satisfazer o desejo da maioria dos brasileiros: “bandido bom é bandido morto”.

quarta-feira, novembro 14, 2007


Fotografias de papel

Seu nome: Lena. Estava agora com 33 anos. Sentia-se plena, realizada! Havia conquistado quase tudo que almejara: um amor perfeito, um bebê que estava por vir e um trabalho recompensador. Não tinha muitas ambições, tinha sonhos. Gostaria de viajar pela Europa, conhecer Londres, Paris, Lisboa, Barcelona, Berlim, Veneza etc. Mas ela não tinha pressa, pois sua vida estava tão sublime que ela era incapaz de se sentir frustrada!
Num domingo de frio, estando sozinha e sem muito para fazer, Lena resolveu “viajar” pelo passado. Foi até o armário e pegou o baú antigo onde guarda fotografias. As fotos mais recentes são de quase dez anos atrás, pois depois que ela comprou uma máquina digital, esqueceu-se de sua velha companheira Fuji. O primeiro álbum visto foi o de sua adolescência, “15 aninhos” – deduziu ela. Havia várias imagens de Lena com Melissa, amiga desde a infância. Enquanto olhava, ela rememorava aqueles momentos: elas gostavam de aparentar revolta! E de fato acabaram se tornando “rebeldes”. Lena ria ao lembrar daquela época, de toda aquela ingenuidade e inquietude.
Depois achou fotos de sua infância. Lena ficou tentando desvendar o que ela, aquela garotinha de três aninhos, pensava. Era difícil saber. Ela lembrava-se até de quando seu irmãozinho mais novo nasceu. Mas de seus pensamentos (do que ela achava do mundo) não! Ficou curiosa. Achou uma foto em que ela estava debruçada na penteadeira olhando para o espelho. Lena recordou-se que adorava fazer isso - ficar se olhando no espelho - mas ainda assim não sabia o motivo. Talvez apenas se admirasse, talvez buscasse uma resposta. Então Lena pensou, rindo de si mesma: “Deveria ter estudado psicologia em vez de letras”. E continuou “Pessoas me deixam intrigada, o meu próprio”Eu” me deixa perplexa!” Mas logo se encontrou: “Prefiro escrever, gosto de desvendar o ser humano intuitivamente”.
Passou pelas fotos da faculdade, aniversários, viagens inesquecíveis! Notou que a simplicidade sempre a fizera feliz: cachoeira, mar, amigos reunidos. Viu amores antigos e recordou-se, carinhosamente, dos bons momentos. Mas em nenhum momento, inclusive quando ela abriu o álbum da adolescência, desejou voltar no tempo. Lena vivia intensamente o presente, apreciava como nunca a sua vida! De súbito, foi desperta da “viagem”. Barulho na porta. Era o seu amor chegando...

quinta-feira, novembro 08, 2007


Aos nossos pais

Tornou-se senso comum culpar pai e mãe pelos deslizes dos filhos. A responsabilidade pelas atitudes de uma criança pode até ser atribuída aos pais, mas ainda assim não é possível generalizar, pois eles não têm controle, por exemplo, do que acontece na escola (estudar numa escola bem conceituada não garante que a criança aprenderá somente boas ações). Já o adolescente, mesmo tendo recebido uma educação baseada em valores éticos e nobres, pode se desviar, pois é típico desta época ser suscetível à influência dos amigos (mas também é verdade que quanto mais sólida e coerente tenha sido a educação transmitida pelos pais, maiores as chances do filho adolescente identificar-se com pessoas que tenham valores semelhantes aos seus). Porém, a meu ver, culpar os pais pelos erros de um filho já adulto é ignorar o livre-arbítrio intrínseco ao ser humano desta faixa etária.
Jean Paul Sartre, filósofo francês, frisou: “Não importa o que fizeram de nós, e sim o que fizemos com o que fizeram de nós”. O adulto tem a capacidade de discernir entre o certo e o errado, mesmo tendo recebido ensinamentos falhos. Chega um momento em que ele pode escolher o que será. Ele tem liberdade para isso. Certamente mudar o rumo não é fácil. Muitas vezes é mais cômodo deixar a vida nos levar do que tomar as rédeas. Como somos livres, podemos sim escolher o caminho que nos exige menos esforço, menos questionamento interior. No entanto, ao decidir por isto é necessário que nos responsabilizemos por nossas ações, o que significa que devemos ter ao menos a dignidade de não culpar os pais pelos nossos infortúnios.
É importante ressaltar: há adultos que nunca foram crianças e não aprenderam o que é escolher. Jamais tiveram liberdade! Destaco aqui aqueles que cresceram numa favela e desde pequenos pegam em armas ou os que nasceram durante uma guerra civil na Europa, na Ásia ou na África, sendo impelidos, ainda na infância, a integrar um exército. Alguns, surpreendentemente, conseguem se livrar do que está praticamente determinado, mas a maioria sucumbe ao meio, condenados a viver o que não optaram.
Entretanto, muitos de nós, adultos que têm a oportunidade de gerir a própria vida, preferem se lamentar pelo que os pais fizeram ou deixaram de fazer. Vivem do passado esquecendo-se que enquanto o coração bater é possível mudar, transformar-se, transcender!