Mafalda


quinta-feira, novembro 17, 2005


Protesto (?)

Num dia desses, o ator, músico e compositor Seu Jorge foi o entrevistado do programa Roda Viva. Seu Jorge foi aclamado no programa sobretudo por ser um exemplo de superação e sucesso, já que foi morador de rua e atualmente tem seu trabalho reconhecido principalmente no exterior. Inúmeras perguntas dirigidas a eles questionavam-no sobre o preconceito étnico possivelmente sofrido por ele ser negro e conseqüentemente sobre o caráter de denúncia social de suas músicas. Seu Jorge saiu-se muito bem. Respondeu com maestria e sensibilidade às questões, embora se perdesse um pouco em suas divagações em alguns momentos. Nada que prejudicasse o andamento do programa, pois isto deu à sua fala uma espontaneidade pouca vista quando os que sentam ali são os políticos brasileiros.
O que chamou mais a minha atenção foi a discussão sobre as músicas de protesto. Ouvindo as palavras de seu Jorge, eu compreendi que sua música tinha uma função social mas não necessariamente de protesto. Os entrevistadores insistiram com a questão do racismo e da denúncia indagando sobre se uma música cantada por ele não teria sido rejeitada pela mídia e pelo público. Seu Jorge afirmou categoricamente NÃO, pois sua intenção jamais fora ser um artista tocado nas rádios e que seu público adorava cantar tal música.
Diante disto, percebi uma enorme distância entre os entrevistadores (todos pertencentes a classe média, no mínimo) e o artista ali sentado. Seu Jorge canta a sua vida, seu cotidiano os problemas que seus ancestrais passaram e seus contemporâneos enfrentam. A inspiração não exige filosofia ou sociologia, pois a sua realidade é suficiente para compor. Já os entrevistadores chocam-se diante de uma realidade para eles brutal, cujo relato é sentido como denúncia, como se não pudessem enxergá-la e conhecê-la através da própria vivência, como se houvesse uma censura impedindo esse contato e o músico ali entrevistado estivesse subvertendo-ª Curioso, pois a realidade dos marginalizados está todo dia na TV e atravessam o caminho da classe média diariamente. Então, por que as canções de Seu Jorge são encaradas como se ele estivesse denunciando acontecimentos obscuros? Tenho uma hipótese: o que intriga não é necessariamente o conteúdo...É estas histórias poderem ser cantadas e aplaudidas no exterior por alguém que foi menino de rua. É alguém relatando o que viveu e tendo sucesso sem o apoio da grande mídia, descartando-a. Assim, não são as músicas de Seu Jorge que geram o sentimento de protesto e sim o que representa o ator, compositor e músico Seu Jorge, carregando o que foi ontem, realizando-se hoje e transformando o amanhã...

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