Mafalda


sábado, setembro 25, 2010

Crack

A epidemia do crack invadiu nossas vidas. Não que toda família tenha um dependente, mas é impossível ignorá-la, pois se não moramos numa cidade onde já é comum usuários no sinal implorando por centavos, a "pedra" atravessa nosso caminho ao ligarmos a TV especialmente no domingo à noite com Paulo Henrique Amorim ou no Fantástico. Quem assiste a novela Passione acompanha também a agonia do moço rico Danilo que recentemente resolveu experimentar a droga maldita.
Parece que estamos diante do filme de terror  "A Volta dos Mortos-Vivos": nas reportagens de TV ou nas ruas, os "nóias" (gíria das ruas para usuário de crack) são sujos, magros, sem dentes e sem caráter...
O que ainda leva alguém a experimentar o crack? Que o crack é prazeroso é fato Mas mesmo quem não tem acesso à informação, aquele que já está nas ruas, conhece a devastação progressiva da droga. Como não pensar nas consequências ao dar o primeiro trago?
Vejo o desespero, seja o desespero pela falta de comida, dinheiro, perpectivas de emprego ou o desespero existencial, como motivador do uso do crack  Penso também que alguns acreditam ter o controle de sua vontade e experimentam para saber qual é o barato: o problema é que poucos usam apenas uma vez e o crack vicia rapidamente.  É como um tiro no escuro e quem acredita não ter muito a perder, resolve arriscar.
Poderia dizer também que por trás da busca pelo crack há um desejo de morte. No entanto seria simplista. Muitos que usam a droga o fazem por não suportar o cotidiano, ou seja, não é que desejam não viver, apenas querem outra vida e conseguem por alguns breves minutos. Se inconscientemente anseiam a morte, não sei dizer. Mas acredito que nós todos queremos satisfações imediatas, só que por diversos zaões somos capazes de algumas vezes adiá-las (digo "algumas vezes" porque muitos de nós já fizemos loucuras por não tolerarmos esperar).
A verdade é que me causa tristeza ver um jovem entregue ao crack. Como prevenir? Embora haja usuários de classe média-alta, a maioria é das classes menos favorecidas: pessoas que já tinham pouco e agora não tem nem dignidade, não tem alma, são como zumbis. A resposta é aquela de sempre:educação, saúde, diversão e arte!  Pois só assim teremos pessoas com autoestima suficiente e razões para acreditar que a vida vai melhorar.
E como tratar os dependentes? Muitas vezes a internação não tem sucesso, muitos reincidem no uso após meses reclusos. Penso que é preciso qualificar o tratamento ambulatorial de usuários.Li recentemente sobre um tratamento experimental onde usuários de crack fumam maconha para abrandar a fissura, aliado com psicoterapia, e obtiveram êxito no abandono do vício de crack e, progressivamente, também da maconha. No entanto, a universidade onde tal experimento foi realizado tem encontrado resistência governamental porque a maconha é ilegal. Sempre fui contra a legalização da maconha, no entanto, não podemos nos dar ao luxo de radicalismos diante da epidemia do crack. Apenas quem não tem discernimento sobre as diferenças entre as drogas e seus danos, não concordaria em substituir o vício do crack pelo da maconha.  É um caminho.

segunda-feira, abril 19, 2010

Mãezinha - só uma!

Quando criança, copiei do livro didático uma poesia para minha mãe. Não me lembro se era Dia das Mães ou se era um dia qualquer quando entreguei a ela. Lembro-me que ela guardou. Não sei a minha idade ao certo, estava no primário, estudava na E.E.P.G. Coronel Almeida Pinto...Hoje, pensando naquela que é meu maior exemplo de humildade e amor, resolvi procurar o texto da infância na web. E encontrei:

Mãezinha - só uma 

Tantas estrelas, no céu,  brilhando,
tantas conchinhas brincando com o mar,
tantos carneiros no campo pulando
e passarinhos voando a cantar.
Tantas abelhas fazendo zum-zum, 
e borboletas azuis a voar, 
tantas gotinhas de orvalho na grama,
mãezinha - só uma eu tenho para amar.

(George Cooper)


sexta-feira, março 19, 2010


Ele tinha todo o tempo do mundo

Estou abalada. "Vida louca, vida breve...". Era como se fosse alguém que eu conhecia há muito tempo. Um luto repentino. Ele era jovem. Ele só tinha 18 anos. Sei pouco sobre sua vida. Mas lembro-me de seu sorriso acanhado. E sei que era querido pelos amigos. Ele era divertido e, como um de seus amigos, envolto em lágrimas, definiu "era um moleque da hora". Era o "Colômbia". Sua imagem não me sai do pensamento: ele sentado no chão, no atendimento em grupo; ele na aula de street dance.
Imagino seus últimos momentos: ele sofreu longe da mãe. Penso e isso dói! Mas havia um homem bom ao seu lado, que o acolheu, que segurou sua mão como se fosse seu filho. É um consolo saber que havia um rosto conhecido para confortá-lo.
Durante todo o dia, era como se o trânsito não fizesse barulho. Era como se as pessoas falassem e não emitissem som. Havia um silêncio enorme dentro de mim. `
Sinto por sua vida precocemente interrompida. Sinto por aquela mãe que batalhava para estar com o filho. Ela não pôde dizer adeus...
Acabo por aqui, meu sentimento não se deixa mais ser dito.
Descanse em paz, Elton!

domingo, março 07, 2010


Angústia de fumante

Comecei fumar aos 16 anos. A primeira tentativa de tragar foi no banheiro da casa de uma amiga. Era Marlboro de menta. Não consegui. Após uns 6 meses tentei de novo. Insisti e tornei-me fumante. No início, não tinha marca preferida, comprava "T" (!) avulso no buteco ou fumava o Charm da avó da mesma amiga. Eu me recusava a gastar o dinheiro que meu pai dava para o lanche escolar com cigarro. Sentia culpa.
Naquela época, não era proibida publicidade televisiva na TV e a restrição no horário de vinculação estava apenas começando. Nas novelas, os personagens fumavam à vontade. Lembro-me da personagem de Fernanda, de Christiane Torloni, em "Cara & Coroa", tragando charmosamente... Eu e minha amiga tentávamos imitá-la.
Olhando para trás, penso que comecei a fumar por contravenção. Eu fazia tudo certo até aquele momento. Era aluna dedicada e tímida. Mas ao mesmo tempo não me identificava com os hábitos, gostos e valores da turma escolar. Precisava extravasar. Mas não fazia o tipo revoltada. Tudo estava bem escondido. Eu não queria ser comum. Fumar era uma forma de dizer que eu não era o que aparentava ser.
Não me lembro quando adotei o Marlboro vermelho. Lembro-me que no primeiro ano de fumante, estava no maior evento da cidade do Peão e meu pai quase me flagrou fumando. Era Marlboro vermelho.
15 anos depois, ainda fumante, sofro. Não por não conseguir deixar o vício, pois até o momento não tentei. Sofro com a Lei Anti-fumo, sofro com a discriminação. Não posso mais tomar uma cerveja e tragar. E só quem fuma sabe como é chatíssimo deixar a mesa e a conversa e se dirigir a calçada. Só quem fuma sabe que o cigarro assim fumado não satisfaz.
Só quem fuma entende o incômodo de se ouvir conselhos cotidianos sobre os males do maldito e profecias de morte. E se isto nos irrita, precisamos nos controlar, uma vez que sempre falam para o que consideram nosso próprio bem.
Sei que sou dependente( e como sou!) Não pela quantidade fumada, mas pelo lugar que o cigarro ocupa na minha vida. Pelos hábitos vinculados ao vício: como chegar do trabalho, deitar na cama e acender um Marlboro ou como escrever fazendo o mesmo.
E também, infelizmente, como sinto-me desmotivada a sentar numa mesa de bar com os amigos ou frequentar outros ambientes em que igualmente terei que me excluir para fumar.
Compreendo o direito dos não fumantes de não aspirar a fumaça venenosa. Já fui deste grupo e não gostava nada quando parentes fumavam no meu quarto de criança!
Mas se hoje a publicidade de cigarro é proibida na TV é porque é reconhecida sua influência. Hoje sabem como o fumante passivo é prejudicado e por isso fizeram uma lei radical.
Há 20 anos, embora se conhecesse os males do cigarro, a discriminação contra os fumantes era irrisória. E Ayrton Senna corria com o uniforme do Marlboro. Se alguém se incomodasse com um fumante no restaurante, que se retirasse.
Se eu pudesse voltar no tempo, não teria jamais experimentado um cigarro. Gostaria de ser como os outros, como os não fumantes. Pretendo parar de fumar, mas ainda não me sinto pronta para a batalha. Enquanto isso, fumo com o prazer e a dor que só os fumantes compreendem.